Te Segura Vétcha!!
Nas tantas histórias que meu pai contava sobre sua infância, duas me impressionam até hoje. Claro que naquela época não percebia a gravidade da coisa e, além de achar engraçado, via em meu pai um herói.
Contou que teve um dia em que ele e seus irmãos resolveram pregar uma peça no vizinho.
Foram à noite, escondidos, até o galpão do homem e roubaram o seu arado. Não satisfeitos em levar seu instrumento de arar a terra para o plantio, amarraram a máquina no alto de um coqueiro de seu próprio potreiro.
No dia seguinte, o homem procurou por tudo que é lugar o seu arado e, sem o achar, concluiu que o haviam roubado.
Devido a necessidade foi pedir o arado da minha Nonna Catarina emprestado. A Nonna, é claro, emprestou a máquina e o homem arou todas suas terras com o arado dela. Feito o serviço, devolveu o arado sob o olhar maroto dos rapazes que saíram dali para estourar gargalhadas longe dos ouvidos da Nonna.
Tempos depois, o vizinho do outro lado de suas terras veio visitá-lo para comprar uma vaca. Andaram os potreiros atrás do animal e acabaram avistando o arado no alto do pé de coqueiro. É óbvio que logo descobriram os autores da malandragem que foram devidamente punidos pela Nonna.
Mas, as “brincadeiras” não pararam por aí.
Perto das terras da Nonna morava o vizinho Fioravante e D. Nilda, sua esposa. Os dois já eram bem idosos e nos dias quentes iam visitar os vizinhos de carroça...
Dia desses foram passar a tarde na casa da Nonna.
Enquanto tomavam chimarrão com a Nonna, os rapazes rodeavam a carroça do Seu Fioravante. Foi aí que tiveram uma ideia: afrouxaram todos os parafusos da tampa da frente e de trás da carroça e soltaram a rosca do freio. Depois, saíram de fininho pra ninguém desconfiar da “arte”.
À tardinha os vizinhos subiram na carroça e foram para casa.
Quando o vizinho Fioravante e a vizinha Nilda estavam descendo uma ladeira na estrada já dentro de suas terras, o Sr. Fioravante pisou no freio da carroça. O freio não funcionou é claro e a carroça ganhou velocidade morro abaixo. As rodas passaram numa vala, a carroça deu um solavanco e os parafusos das tampas se soltaram. Com o solavanco, o vizinho Fioravante bateu os pés na tampa de frente da carroça e a mesma saltou. Os pés dele foram parar na parte de trás dos burros que puxavam a carroça. Os animais assustados desembalaram a correr mais ainda. O homem perdeu o controle da carroça, ficou apavorado e começou a gritar para sua esposa:
- Nilda fecha a rosca! Te segura vétcha!! Te segura vétcha!! Fecha a rosca!!!!
Ela ouviu os gritos do marido, foi até o fundo da carroça e se pendurou na tampa de trás pra fechar a rosca do freio. No entanto, com a corrida morro abaixo e os solavancos a tampa de trás ficou pulando pra cima e pra baixo e a D. Nilda acabou caindo da carroça. Seu marido, sem olhar pra trás e sem saber do tombo da mulher gritava sem parar:
- Nilda fecha a rosca! Nilda fecha a rosca!
Graças ao bom Deus que o morro terminou e a carroça não virou. Quando alcançaram estrada mais plana o Sr. Fioravante conseguiu acalmar os animais e parar a carroça. Ao se virar para verificar o estado de sua senhora, constatou que a D. Nilda não estava mais dentro da carroça e voltou para procurá-la. Encontrou-a toda machucada e dolorida.
Os rapazes ficaram sabendo do ocorrido contado pela própria D. Nilda quando foram acompanhar a Nonna numa visita após o “acidente”. O pai contou que a Nonna desconfiou dos olhares que os rapazes trocaram enquanto a D. Nilda relatava o ocorrido e chegando em casa apertou, apertou... até que eles confessaram a “arte”. Claro que receberam uma sova de laço sem precedentes.
Eu cresci e hoje entendo como uma sova de laço pode deixar marcas profundas na vida da gente. Eu mesma ainda guardo marcas das tundas de laço que levava na infância.
Também entendo como uma brincadeira pode virar uma tragédia, o que é uma “brincadeira” e o que é um crime... Quantas histórias temos para comprovar?
Ainda bem que os tempos mudaram. O que ontem era considerado “brincadeira hoje tem a devida atenção e tratamento.