Saudades do simples

A rua esburacada com valas as quais davam quase pra cair um carro dentro, servia de palco pras nossas aventuras de crianças. Na casa em frisos de madeira, pintada de verde, com uma varanda, que cobria toda a lateral da casa, vivi muitas aventuras. Entre todas as lembranças que tenho daquela casa e da infância que vivi, uma delas jamais sairá da minha cabeça.

Nós não tínhamos energia elétrica e por isso, para iluminar as noites, usávamos lamparinas que tinham como combustível, o querosene, que comprávamos em litros no posto de gasolina a uns duzentos metros de nossa casa. A torcida feita com panos era mergulhada no combustível dentro da lamparina e saia pela tampa onde era acesa com fósforo.

Meu pai tinha um isqueiro movido a gasolina. O litro de gasolina ficava ao lado do litro de querosene, embaixo da pia de lavar louça. Minha irmã mais velha era a responsável de colocar o combustível na lamparina. Ela tinha uns doze anos de idade. Um dia, ela demorou-se demais em colocar o querosene e quando foi fazê-lo já estava escurecendo. Pegou a gasolina por engano e colocou na lamparina. Minha mãe trabalhando no escuro, ralhava com ela pelo atraso e nenhuma das duas sentiu o cheiro da gasolina que é muito diferente do querosene. O resultado foi que pegou fogo na torcida, porque a gasolina é mais inflamável, no momento em que ela tentou acender a lamparina e logo depois no líquido que foi jogado no chão por Lia que gritava com a mão em chamas:

_Socorro mãe eu estou queimando!!!

_Minha mãe nos disse pra corrermos pra fora e depois conseguiu apagar a mão dela.

Saímos para a rua e eu ainda consegui arrastar meu irmão menor. Eu, minha irmã Lia e meus outros irmãos ficamos gritando socorro para os vizinhos vendo o fogo se alastrar. Minha mãe tentando apagar o fogo. O marido da Marlene, que era nossa vizinha e estava de resguardo, veio nos socorrer. Ele trouxe um tapete dela que era feito de retalhos e era muito grande e jogou sobre o fogo. Meu pai também logo chegou do trabalho e conseguiram apagar o fogo. Na cozinha tinha um botijão de gás acoplado ao fogão com a metade do gás, e outra botija completa dentro do armário do lado da primeira. A primeira reação de meu pai, foi jogar os botijões de gás no quintal. Era muito alto e assim ele evitou que eles se incendiassem e o estrago fosse maior.

Queimou apenas a cozinha por dentro e assim o prejuízo não foi muito grande.

Minha irmã Lia aprendeu a lição e não deixou mais pra colocar combustível na lamparina muito tarde. Logo depois, veio a energia elétrica e meu pai e os vizinhos se apressaram em colocar luz em casa. Foi a sensação mais maravilhosa do mundo, ver a lâmpada acesa pela primeira vez na minha casa. Uma energia limpa e sem fumaça ou cheiro de querosene.

Hoje penso que as coisas parecem que vão voltar a ser como antigamente. Sem água, não teremos energia elétrica, e assim voltamos ao tempo das carnes salgadas e das verduras murchas ou colhidas no quintal das casas na hora de comer, se houver chuva o bastante pra colher. O que me consola é saber que voltariam também os tempos em que sem televisão as pessoas, voltariam a conversar umas com as outras no portão de casa a luz da lua. As crianças voltariam a brincar de piques, amarelinhas e outras brincadeiras divertidas que ficaram atrás da televisão. Pode ser que me chamem de maluca mas até sinto saudades daquele tempo. Espero que chova mais e que os reservatórios de água voltem a sua capacidade total, pois senão meus devaneios se tornarão realidade. Que as pessoas se concientizem de que a coisa é séria e parem de lavar carros todos os dias, como vejo constantemente. Isso entre outras atividades que poderiam esperar pela água. Sem contar os longos banhos e as torneiras abertas ao excesso.

Olha a consciência gente!!!

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 11/11/2014
Reeditado em 11/11/2014
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