Recordações de uma manhã ensolarada

A mesa cuidadosamente protegida do sol parecia um bazar estrangeiro.

Uma jarra de vinho tinto, outra d’água, um maço de cigarros, café e uma taça do rouge pela metade. O céu, nesta época, é sempre muito claro, uma transparência no azul que parece atingir o infinito.

Gente. Como passava gente pelo local, alguns apressados, outros nem tanto, mulheres bonitas e elegantes, feias também... Um desfile. A moça de saia curta chamou a atenção. Bonita, rosto bem feito, parecendo escultura em mármore, mas a pele era avermelhada, e não como as peças de museus.

Tomou um gole dos grandes, devagar, do excelente, mas popular tinto seco. Ato continuo, acendeu o cigarro e deu a primeira tragada. Ficou imaginando o que faziam os turistas que passavam. Turistas, claro, eles têm todo o aspecto de estrangeiros, e falam línguas que não tem nada a ver com o local. A maioria, chata. Pensam em conhecer museus e quadros famosos, edifícios cujo nome circula nas colunas dos jornais e prospectos de agências especializadas em realizar sonhos infantis. Neste mundo tem gente para tudo.

O celular acordou o homem discretamente vestido. Terno cinza e camisa da mesma cor, sapatos pretos e muito limpos.

— Diga, chatão.

— A santa madre vai bem?

— Que eu saiba sim.

— Pode dizer onde está?

— Desde que você não venha aporrinhar com comentários idiotas, posso sim. — Deu o nome do bar, conhecido.

— Naturalmente não sabe das novas.

— Como não sei? Acabou de passar uma aqui de parar o trânsito. Novinha.

— Tentaram matar o Obama. Dá para cobrir esta depressa?

— Com é? Obama?

— O próprio. O idiota era um fanático, nada de profissionalismo neste assunto, pelo menos na maneira de execução. A segurança pegou ele inteiro, o tiro dado atingiu o malucóide no ombro.

— E Obama?

— Nem viu como foi, levou um empurrão e foi aparado por outro, senão quebrava o crânio na calçada.

— Ligo de volta, não demoro. Deixa eu falar com a embaixada.

— Escreve, animal! Basta uma lauda.

Desligaram os telefones. Em pouco tempo sabia de tudo. Um fundamentalista árabe, tiro de revólver, aproveitou que o presidente iria dar uma entrevista e fazer uma explicação a empresários ligados ao setor aeronáutico.

Enquanto trabalhava na crônica, ele pensou por que não faziam o mesmo, com êxito, num certo líder populista.