MINHA AVÓ ROSÁLIA

Se nesta vida existiu alguém otimista, animada com tudo e com todos, entusiasmada e de bem com a vida, este alguém, com certeza foi a simpática e alegre senhora dona Rosa – a cartomante - como era conhecida a minha eterna vozinha.

Viúva que fora, não desfrutava das benesses da aposentadoria, e desta forma, como forma de sobrevivência, usava de seu dom natural de clarividência. As cartas, as quais tenho ainda carinhosamente guardadas, serviam como mecanismo de disfarce para suas visões. De certa forma as cartas exerciam um fascínio misterioso nas pessoas que a procuravam. Para elas eram as cartas, cortadas e embaralhadas metodicamente, a porta que se abriam para dar informações das sinas ou sortes de um porvir enigmático.

Do meu quarto, que era contíguo à sala das revelações, eu muitas vezes ouvia-a descrevendo o que as visões mostravam para o futuro – sempre boas, mas quando ela via nuvens negras no porvir, com habilidade disfarçava isso orientando com bons conselhos. As pessoas saiam felizes.

Ela foi minha madrinha de batismo. Quando nasci, presenteou-me com uma pena de aço para escrever dizendo para meus pais:

- Este guri vai ser um grande homem!

Realmente sou um grande homem, tenho um metro e oitenta de altura; Dela, através de minha mãe, é que herdei os lindos olhos azuis que tenho.

Ela pedia, e ficava feliz quando lia as poesias e crônicas que eu constantemente escrevia.

Talvez meu fascínio por escrever tenha como elo a pena de aço que recebi. Esta pena é o pacto indelével que se fez entre mim e a minha doce e graciosa vozinha.

Ela era extremamente elegante tanto no trato como na fala.

Ela não se intimidava com as adversidades que se apresentavam, e numa sabedoria toda dela, dizia tranquilamente:

- Deus dá o frio de acordo com as cobertas que temos!

Muitas vezes esta frase serviu-me de alento quando me via apavorado em situações que pareciam não ter saída.

De estirpe nobre, mesmo nas condições de necessidade, conservava a essência do bom viver com as pessoas. Não era altiva, mas o suficiente corajosa nas adversidades.

Morei com ela muito tempo. Fui adotado quase como filho. Eu era o seu protegido, e seu confidente.

Gostava de ouvi-la! De absorver a sua dócil presença.

Quando ela se casou, era uma menina de treze anos. Até o dia do casamento tinha visto meu avô apenas três vezes. A primeira apenas de costas, observando-o da janela do sótão quando ele saia de sua casa acompanhado dos pais. A segunda quando se oficializou o noivado, ela a um canto com seus pais e ele no outro canto com os pais dele.

- Não houve nem uma troca de palavras entre vocês? Perguntei curioso para ela.

- Não, apenas nos olhamos furtivamente.

A terceira, no altar, no dia do casamento.

Ela me confidenciou que não sabia nada de sexo quando se casou, e então afoito, não pude deixar de perguntar.

- E como foi a primeira noite?

Ela rindo, não muito a vontade, respondeu.

- Foi uma confusão danada! Confesso que fiquei bastante assustada.

Foram tantas as boas prosas e os bons conselhos. Lembro-me contristado do último encontro, alguns dias antes dela falecer.

Num abraço bom, carinhoso, batendo de leve nas minhas costas disse amorosamente:

- Lembre-se que para chegar a onde queremos, percorremos uma estrada, que muitas vezes se apresenta cheia de pedras e poeirenta!

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 09/11/2014
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