Mia Cara, Dolce Nonna...
Meu Nonno (avô) faleceu quando meu pai tinha dois anos e então era a Nonna (avó) que governava e defendia a casa com mãos de aço e espingarda dependurada no prego da parede atrás da porta da casa.
O italiano era a língua falada, tanto em casa como em toda a colônia de Flor de Maio (lugarejo onde nasci).
Era regra irem na missa todos os domingos. E naquele tempo as mesmas ainda eram rezadas em latim. O pai contava que nem ele, nem seus irmãos, tinham paciência para as longas liturgias.
A igreja ficava a alguns quilômetros, no centro da cidadezinha de Três de Maio/RS, município ao qual a colônia pertencia. Mesmo sendo longe, para assistir às missas, tinham de ir e voltar a pé.
Quando minha Nonna ia com eles não havia escapatória. Sentavam-se enfileirados nos bancos e praticamente não se mexiam. Se a Nonna entendia que um deles tinha atrapalhado o ritual litúrgico, podia contar, em casa o "peralta” tomava-lhe laço.
Mas, nem sempre a Nonna e as duas irmãs do meu pai podiam ir... Então era a glória dos rapazes. Eles também não iam. No entanto... fingiam que iam. Vestiam-se com a roupa domingueira e saiam de casa como anjos, jurando se comportarem como os tais durante toda a homilia.
Nem bem saiam da vista da casa, tiravam os calçados e enveredavam-se pelas roças até uma alta árvore cheia de cipós. Lá chegando, tiravam a roupa toda e a guardavam cuidadosamente sobre as pedras. Pelados, se dependuravam nos cipós e voavam pelos ares.
Brincavam até o ressoar dos sinos da igreja anunciando o fim da missa. Então paravam as brincadeiras, vestiam-se e iam até a estrada esperar os vizinhos apontarem ao longe. Era o sinal para voltarem também. Calçavam os sapatos e iam pra casa com cara de santos purificados. Só faltava a auréola.
A Nonna nunca desconfiou.
Com a confiança de nunca terem sido pegos começaram a usar a estratégia em outras situações.
Como para os banhos no açude do potreiro. A Nonna era rigorosa. Regulava os banhos no açude porque tinham muito trabalho à fazer. E uma regra era sagrada: jamais entrar na água após o almoço.
Nessa hora, a Nonna sempre tirava um cochilo. E eles ficavam por lá e por cá, sem nada para fazer.
Até que um dia um deles teve a ideia: se a Nonna dormia não havia jeito de vê-los lá embaixo no açude. Se eles fossem espertos e rápidos podiam tomar um bom banho antes dela acordar.
Escapavam então para o açude e, para não molhar a roupa, tiravam-na toda e a depositavam na grama do potreiro. Felizes, nadavam como vieram ao mundo. Depois, era só sair, vestir a roupa e agir como se nada tivesse acontecido.
Mas um dia a coisa deu errada.
Após o almoço as meninas foram lavar a louça e nem bem a Nonna rumou para o quarto, os rapazes saíram em disparada para o açude. Despiram-se e mergulharam na água fresquinha.
Dali a pouco ficaram petrificados. No barranco, uma trouxa de roupa debaixo dos braços e olhos fuzilando de morte, a Nonna. No, no, che situazione!!!
Sem uma palavra e com o dedo apontado para o chão fez todos saírem do açude e enfileirarem-se diante dela. Meu pai era o caçula e ficou no fim da fila. Então a Nonna mandou o filho mais velho, que já era adulto, até a divisa com as terras do vizinho buscar varas de um pé de marmelo. Imagina o constrangimento...
Quando o moço voltou com as varas, um a um, foram entrando no laço. Só depois de estarem batizados com inúmeros vergões é que ganhavam a roupa para vestir.
E aprenderam a lição. Nunca mais subestimaram o poder, a força e as ordens da minha querida e doce Nonna.
Nas noites frias de inverno, ao lado do fogão quentinho, sentada no banco em frente a cadeira do pai, eu o ouvia contar e recontar essa história. E ficava encantada com as aventuras...
Não demorou muito pra que eu, meu irmão e meus primos começássemos a colocar em prática a estratégia aprendida... Aprontávamos cada uma...
Teve uma vez que fomos pro meio de umas toras de madeira...
Ah! Mas isso já é uma outra história...