A EFEMERIDADE DA PAIXÃO
A EFEMERIDADE DA PAIXÃO
(Ivone Carvalho)
A paixão, quando correspondida, é sempre deliciosa!
Não importa se ela é real ou virtual, se do virtual se transformou em real ou vice-versa.
Sim, pode ser vice-versa, sim! Quantas paixões foram vividas intensamente no corpo-a-corpo e num dado momento, por qualquer razão que não vem ao caso, um dos apaixonados tem que se mudar, viajar, se ausentar enfim, e são as cartas, os e-mails, os telefonemas, os cartões, os programas de voz encontrados na internet, que passam a ser o elo de comunicação entre o casal apaixonado?
E, quando se está apaixonado, nada incentiva mais a momentos de dispersão, meditação, inspiração, auto-estima, realização, mesmo quando se está completamente só e isolado do mundo, do que o recebimento de uma mensagem, seja ela através da fonte que for, da pessoa que a gente ama.
Liga-se o computador já na certeza de que ali se encontrará a presença do ser amado, pois a convicção de que também ele sente saudade, sente falta, sente necessidade de dar e receber notícias, já faz com que essa esperança seja vital. Da mesma forma procura-se por ele, o dia todo, no correio, nas caixas que podem armazenar mensagens, na caixa postal do telefone celular, na secretária eletrônica, enfim, em todo lugar onde ele puder ser encontrado.
Nem é preciso encontrar muito, basta um simples sinal de que ele também pensou na gente e isso faz com nos sintamos a pessoa mais importante do mundo para ele.
E o mundo parece ficar todo muito mais colorido, o sol parece brilhar mais, o céu representa estar abrigando muito mais estrelas e uma lua maior, um luar muito mais intenso. As flores parecem renovar seu perfume a cada passeada do vento. As roupas parecem nos vestir melhor, o espelho nega nossa idade real brindando-nos com uma feição serena, alegre, contagiantemente feliz!
Os romances parecem ter sempre um casal igualzinho a gente, as poesias de amor parecem ter sido feitas para os dois! O poeta parece enxergar o que vai à nossa alma e canta o nosso amor como se ele próprio o estivesse vivendo.
Ah, a paixão! Sentimento forte, que em tantos seres lhes arranca a possessividade, a desconfiança, a infantilidade, tornando-os agressivos e bobos, levando-os a perder, com freqüência, o ser que tanto amam, pelo simples fato de não saberem ser pessoas apaixonadas ou de viverem sentimentos lindos, puros, profundos que emanam da nossa alma.
Que bom seria se a paixão fosse como o amor! Que bom seria se não fosse um sentimento efêmero, sujeito a atitudes capazes de machucar, de arrancar sonhos de corações que transbordam amor e que tão feliz poderiam fazer o ser amado. Que bom seria se a paixão não terminasse bruscamente, se ela não permitisse ao ser que perde o estado de estar apaixonado fazer sofrer a pessoa que o ama verdadeiramente, tendo conservado dentro de si o amor e também a paixão que alimenta esse amor.
Quando a paixão termina, lamentavelmente ela não acaba em ambos e, se terminar, dificilmente será no mesmo momento. E como isso faz sofrer aquele que continua vivendo o amor, sentindo-o com a mesma intensidade, com a mesma paixão!
É aí que tudo, então, perde a beleza, o colorido, o perfume, o calor, a alegria que existia quando os sentimentos estavam vivos e ardendo dentro de ambos.
Qual a graça de ligar o computador sabendo que não serão encontradas mensagens daquele que durante tanto tempo deu vida até à nossa máquina? Qual a vontade que se tem de buscar e-mails a cada cinco minutos como se fazia antes? E por que conectar os programas onde se sabe que a pessoa amada está sim ali conectada, mas escondendo-se de você, porque naquele exato momento ela está dizendo a outra pessoa tudo aquilo que um dia disse a você e, quem sabe, muito mais ainda? Afinal de contas, é impossível avaliarmos a intensidade do quanto fomos “vítimas” daquela paixão e em qual grau agora o ser amado se apaixonou por quem assumiu o seu coração, no lugar que sempre imaginamos que seria eternamente só nosso.
Ah! Como é maravilhoso apaixonar-se e sentir que aquele alguém especial também se entrega como nós, também precisa de nós, também sente necessidade de nos manter por perto de alguma forma, também sente vontade de gritar ao mundo o quanto somos importantes para ele, o quanto ele nos respira da mesma forma que o respiramos, o quanto ele nos vive na mesma intensidade em que o vivemos!
E como tudo fica tão vazio, tão sem brilho, sem cor, sem perfume, sem graça, sem razão, sem sentido, quando descobrimos que o nosso sentimento é solitário, é apenas e tão somente nosso!
Se a paixão não fosse efêmera ela seria, tão somente, um sinônimo do amor, porque este sim é eterno!
29/11/2004