Se fosse um menino

O menino brincava de fazer aviões de papel. Esmerava-se em cada dobra, em cada ângulo, atento à simetria, à aerodinâmica, à beleza de cada uma de suas criações. Mas nem sempre acertava.

Nenhum avião era igual ao outro. Tinham nomes diferentes. Voos diferentes.

Um deles era o campeão. Voava alto, longe, veloz, certeiro, sem desviar-se da rota, como uma flecha. Era uma potência. Seu nome era Relâmpago.

O menino tinha um caderno onde avaliava seus aviões. Relâmpago tirava dez em tudo: velocidade, altura, alcance, previsibilidade, etc.

O pior de todos era Teco. Teco era feio e desengonçado, voava baixo, torto, às vezes girava no mesmo lugar duas, três vezes, para depois continuar, devagar, até pousar. Seus pousos eram lastimáveis, pareciam mais desastres do que pousos.

De repente, após assistir a um voo de Relâmpago, o menino teve uma estranha sensação de vazio, quase uma angústia. Relâmpago voou como sempre: alto, longe, veloz e certeiro, como uma flecha. Era o que o menino esperava.

O menino, no entanto, estava pensativo. Pela primeira vez bateu-lhe uma dúvida sobre o sucesso de Relâmpago. Aí lançou Teco, que fez seu voo: feio, como sempre: baixo, torto, devagar, sem objetivo...

Se fosse um menino, Teco teria mais tempo para curtir a viagem, ver e sentir as coisas pelo caminho, conhecer melhor as pessoas, explorar, descobrir... Uma hora ia para um lado, outra hora para outro, nunca repetia uma rota, e sempre devagar, voando baixo...

Se fosse um menino, Teco veria melhor as pequenas coisas... Levaria mais sustos...

O menino estava pensativo...

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 08/11/2014
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