O velho Piacenza

Na Velha Serrana de outrora, entre meia dúzia de padarias, o Perdigão panificava no largo de São José, aquela pracinha orlada de casario singelo, com a igrejinha ao padroeiro e o cruzeiro centenário das "santas missoens de 1879" ao meio, na leve inclinação do terreno rumo ao centro da cidade.

Ali, entre a capela e o cruzeiro, já haviam vicejado belas palmeiras, mas que o tempo se encarregara de remover, deixando o terreno avermelhado escalavrado, enrubescido no castigo da nudez.

Panis angelicus a parte, vamos ao do mestre Perdigão. Começava a fãina cotidiana pela madrugada para assegurar o pão de cada dia à boa freguesia. Vendia no local do fabrico e na loja ao centro da cidade à volta da matriz, lugar de gente de mais posse.

No forno empretecido, marca Piacenza, entravam e saíam ao poder de longas e finas tábuas, que se movimentavam com a destreza de uma língua de tamanduá em formigueiro, bandejas e mais bandejas do precioso produto.

E Perdigão enquanto alimentava sonhos de gerações, nutria a família, fez bom cabedal, chegou até a ter seu carrinho, uma baratinha, bem catita, para transportar da fonte à distribuidora central aquele bem essencial. E tinha até o logotipo de uma ferradura, a portinha traseira da baratinha: Padaria Boa Sorte.

E na parte da tarde, com o Perdigão já de volta à casa - que era coligada ao comércio central - à sombra da matriz, em rua bem calçada e bem frequentada, ao seu cunhado Darcy, é que passava a pilotagem do Piacenza, para se aproveitar o seu calor, e se lograr algum mais valor: era a hora dos biscoitos de polvilho receberem a sua assadura, e à dieta do populacho, assegurarem maior fartura.

E consta que ainda hoje por lá resiste o velho Piacenza, na esperança de que São José o benza.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 07/11/2014
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