TURBULÊNCIA

TURBULÊNCIA

Eu voltava de Porto Alegre da casa de minha filha, e estava sentado um pouco mais ao fundo do avião folheando uma revista. Alguns passageiros retardatários iniciavam um desfilhe pelo corredor, a procura de seus lugares.

Como eu estava ocupando o assento do corredor, apenas com sutil guinada da cabeça pude ver o leve, porém decidido, o andar altivo daquela que de pronto imaginei, podia me privar do precioso espaço da poltrona vazia do meu lado, o qual de bom grado, certamente cederia.

Os passageiros desfilavam pelo corredor, e eu continuava atento nas caras daqueles que passavam. A cada passageiro eu dava uma guinada de cabeça, torcendo para que não fosse nenhum barbudo e barrigudo, o possível dono da poltrona do meu lado. Mas como sou bastante azarado, sei não... “quer ver que vai ser aqui”, vai ser aqui, falava com meus botões.

Um barbudo veio vindo, vindo, até que parou próximo de minha poltrona. Dei uma guinada de cabeça, torcendo para que não fosse ele o dono da poltrona vaga junta à minha.

Por sorte o cara parou de costas para mim, de frente para a outra fileira de assentos. Continuei absorto nos meus pensamentos, mas com olhos abertos e atentos a todos os passageiros do corredor, torcendo para não aparecer o dono do assento do meu lado. Não gostaria de me privar do precioso espaço da poltrona vazia.

Percebi que ela caminhava desconfortavelmente, a procura de seu assento, e a cada passada eu acompanhava atento e dizia: “ela vai sentar aqui”; “ela vai sentar aqui”; até que parou de costas para mim, Temi tê-la perdido para o careca da fileira do lado.

Mas felicidade pode ter infinitas variações, e uma simples rodada de corpo e um “com licença”, pode nos levar às alturas.

Cerimoniosamente, me levantei tendo o cuidado de levantar os calcanhares do chão. Mil pensamentos desfilavam pela minha mente, e ao mesmo tempo que respirava deliciosamente aquele perfume agradável e aconchegante da minha companheira.

Nada disto tem a ver com conquistas, ou assédios, tudo se passou no imaginário, e a realidade, de repente pode ser dolorosa.

Sua beleza agora estava completa e o seu perfume me desguarneceu minhas últimas resistências. “Prazer”; estendi-lhe a mão, não sem antes empertigar os ombros. Nem sei se ela respondeu. Senti-me um tolo.

A comissária passava solicitando aos passageiros que retornasse as poltronas no sentido vertical, porque a aeronave já ia decolar.

Voltei a folhear a revista, mas por pouco tempo, vez que pensei naquela rara beleza espanhola, cabelos negros e densos; jamais passaria despercebida numa sala de espera de algum aeroporto.

Fechei os olhos, sempre os mantenho fechados para sentir o friozinho na barriga quando na decolagem do avião. Percebi que ela se ajeitava na poltrona, enquanto o avião ganhava altura, Seus movimentos ansiosos, me chamou atenção. Decidi pôr um fim naquele embate. Fechei os olhos. Não me fiz de rogado, quis virar o ombro um pouco mais para o corredor, mas desisti. Sempre haverá uma chance (esquecendo-me da diferença de nossas alturas)

“Ela tem medo de avião”... Eu ia pensando... “Ela chegou atrasada,.. Estaria despedindo de seu amado... Alguém estaria à sua espera”... O assédio me incomodava; coisas desfilavam pela minha cabeça...

Como era noite não dava para perceber as condições do tempo fora do avião, mas aquele sinal de atar os cintos, seguido pela voz do comandante informando que estávamos entrando em área de instabilidade; era prenúncio de mal tempo.

O avião chacoalhava, Enviesei meus olhos; ela linda e absolutamente paralisada. Isto logo mudaria... Um, dois... e o terceiro mergulho do avião, este sim foi alarmante!

Institivamente ela se agarrou em mim com tanta força que nem sei como descrever.

Desculpa-me, com voz rouca e sexy. Mil perdões!

Maliciosamente respondi: “Que nada, foi um prazer”. Gostei! Encabulada ela me solta. Senti sua indiferença.

Recostei novamente no meu assento, fechei os olhos para sentir melhor aquele inebriante perfume.

O avião estabilizou e fomos assim até Guarulhos.

A aeronave em solo, me levanto e abro caminho para ela. Sempre nas pontas dos pés.

Revejo-a uma última vez pelo saguão andando altiva e segura, enquanto penso: todos nós temos os nossos medos pessoais, ao mesmo tempo em que temos o mesmo singular e universal medo: a morte!

Não conheci nenhuma outra mulher a não ser aquela que se mostrou real e verdadeira, sinto ainda o cheiro de seu perfume em minha camisa.

Dei um leve sorriso e caminhei rumo à saída.

Luiz Pádua
Enviado por Luiz Pádua em 05/11/2014
Código do texto: T5023902
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