ALDEIAS
     REPUBLICAÇÃO – TEXTO DE 10 DE OUTUBRO DE 2013
                                                        

                                                          
          
        Do solo desta sala em uma São Paulo propensa a delírios, brotam múltiplas aldeias de mim.
        A aldeia dos não ditos e interditos sendo ditos; da partilha de um único olhar, que seja, sem as tantas testemunhas oculares de sempre, no nosso sempre.
 
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        Aldeias com ruas de pedra e igrejas e campos e colinas e montanhas e pastores e ovelhas e uma mulher jovem, de longo vestido multicolorido, a dançar e a cantar com seu par, com os outros companheiros. 
        Aldeias de uma mulher com grandes lenços escuros na cabeça a guardar os cabelos inteiros brancos, os pensamentos inteiros brancos, a vida branca já, de sonhos, mas, mulher que sabe tocar instrumentos antigos.
 
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        Aldeias maiores repletas de História, com Cafés para partilha de memórias vivas, de novas descobertas e com ruas para Respiração plena.
 
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        Aldeias à beira do Mar, do Mar onde se possa caminhar os pés.    
 
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         Muitas aldeias outras, de outros sonhos, nesta mulher que passa a vida em branco, que caminha em silêncio no solo desta sala na São Paulo interditada a todos os delírios.
        Mulher a passar em branco e ao largo do sonho mais imediato, o que lhe sobrou de tantos, o quase derradeiro também quase impossível, de poder vir, ainda, a andar, com seus próprios recursos, por algumas ruas e parques desta cidade alucinada em que lhe coube nascer, cidade que ama, apesar de tudo. A cidade onde já não cabem seus passos, a cidade sem fim e sem começos, a aldeia gigantesca onde mora, gigantesca aldeia onde ela não existe mais senão no olhar à paineira sempre do lado de fora da janela, na praça minúscula.
 
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        Mulher que, na verdade, precisa de muitos milagres. Uma mulher que precisa, antes de tudo, de crer em milagres, ou melhor, na Graça. E, por saber-se não merecedora desta, Graça, nem daqueles, milagres, uma mulher que consiga crer, ao menos, na Misericórdia da Mãe, na Misericórdia do Deus, Misericórdias que lhe possam guiar a continuidade que for necessária  dos seus dias nesta Terra.