Meus recalques e minha vontade de viver
Quem, ao menos, nunca teve qualquer recalque na vida?
Até uma pessoa, plenamente exitosa ou realizada, em algum momento guarda para si as suas frustrações, por não ter feito algo que gostaria. Sabe, bem ou mal, que esse momento nunca vai voltar e ele não poderá fazer o que sonha durante o restante da sua vida. Por mais que seja bem sucedida a pessoa, jamais esses desejos serão cumpridos, pois o seu sonho passou e a oportunidade residia única e exclusivamente naquele momento.
Talvez, em uma breve crônica, queria compartilhar abertamente alguns recalques que eu tive e carrego até hoje. Alguns fizeram muito mal até mesmo na minha auto-estima. Outros vieram como uma forma de Deus, por meio das minhas limitações, me premiar por outro lado, concedendo talentos e atributos.
Vou trazer à memória alguns recalques, desde a minha infância. Desde já, engulo o meu orgulho e a minha soberba e quem me conhece a fundo, vai entender o porque de agir ou de me comportar de uma determinada maneira.
Fui criado por um pai muito rígido e austero. Ele sempre quis que eu tivesse uma performance escolar perfeita e fosse o destaque entre todos os parentes. Embora tivesse um certo privilégio em ser visto com admiração por eles, tinha uma enorme carga de responsabilidade, seja pela imposição do meu pai e pelo fato de ser o filho mais velho. Qualquer nota que tirasse abaixo de 7, eu levava uma surra ou ficava de castigo, sem ir jogar o meu futebol ou mesmo ver o Campeonato Italiano e Brasileiro na TV. Poucas vezes, no momento que tirava uma nota baixa ou até mesmo um 7 ou 7,5, já ia para casa chorando, ciente que tomaria uma surra ou uma cintada boa do meu pai. Às vezes - infelizmente em uma prática condenável e inaceitável, mas coagido pelo medo -, falsificava a assinatura do meu pai e escondia durante um bimestre o boletim (todo o boletim deveria ter a assinatura do pai para depois retornar à Secretaria do Colégio Souza Marques), por conta de uma nota baixa numa disciplina. Por outro lado, minha mãe, em uma postura conciliadora e incentivadora, me tratava bem, acompanhando sempre os meus trabalhos de casa.
Fora isso, as disputas da turma entre os primeiros lugares - sempre girava em torno do Marcus Dezemone (um grande amigo particular meu e que atualmente é Doutorando em História, no momento em que componho esta crônica), do Aluísio Gaspar e da Rita Pinheiro, onde nem sempre ficava em primeiro lugar (aliás, estive raríssimas vezes, em uma turma que tinha muitos carinhas inteligentes). Somado à responsabilidade de casa dada pelo meu pai e à disputa para ganhar uma medalha de ouro (ao não tirar uma nota vermelha), isso me frustrava muito, dando a mim sentimentos de recalque ou mesmo de inveja e amargura desnecessária.
Somado a isso, o meu irmão sempre teve um trânsito maior entre a galera. Enquanto eu era o "intelectual", meu irmão sempre foi uma boa praça e o "pegador" das menininhas, desde os idos de Souza Marques e dos tempos de Tamandaré. Ele conseguia ficar com as garotas da Igreja e da vizinhança na hora em que ele bem quisesse ou entendesse. Eu não tinha atrativo físico e, ao contrário do meu irmão, nunca fui uma pessoa sociável (quem me vê hoje, jamais acreditaria nessa história). As poucas namoradas que tive na adolescência eram garotas feias e carentes, proporcional à minha baixa auto-estima. Ficava naquele recalque em não conseguir namorar uma pessoa interessante. Logo, joguei as minhas frustrações na composição de poemas a partir dos 15 anos de idade, após uma tentativa frustrada de namorar a filha mais velha do Pastor da minha ex-igreja, a Lílian.
Em contrapartida, despejei todas as minhas forças na capacidade em compor poemas e redações de alto nível (a ponto, uma certa época, no Colégio Tamndaré, em 1996, de ser, informalmente, o "monitor" do Professor Orlando, de Redação, em suas aulas). Era, enfim, uma forma de compensar as deficiências causadas por não ter o mesmo perfil de sociabilidade que o meu irmão mais novo sempre teve. Minha vingança (e perdição) foi na EsPCEx, mas mesmo assim, não encontrei quem pudesse gostar de mim pelo que eu era e sim pela farda que envergava. Por isso, dentro de mim, carreguei alguns valores. Dentro deles, é de que se alguma mulher se interessasse por mim (pelo que eu seria e não pelo que teria), deveria passar um "estágio" de dois ou três meses, andando de ônibus lotado e rachando comigo o passeio ou a ida nas pizzarias ou churrascarias e restaurantes. Se ela continuasse comigo, eu veria que seria um amor mais autêntico e compreensível, sendo esta pessoa a ideal para a minha vida, dentro das limitações presentes.
Por outro lado, ainda na infância e passando por parte da adolescência, muitos no Condomínio falavam que não poderia jogar na linha e sim no gol, pois julgavam que era muito ruim de bola (até sou, mas jogo bem meu feijão com arroz e às vezes tenho momentos de lampejo, em uma jogadinha ou outra individual). Na minha frustração, me vinguei dos caras, ao começar a dar de mim e fechar o gol, entre meus 9 e 13 ou 14 anos de idade. As pessoas, naquele tempo, no meu Condomínio, ficavam a escolher, em primeiro lugar, não os jogadores de ponta da pelada, mas, por ironia e gozação do destino, os goleiros. E era eu e o Jefferson (Mineirinho) quem fechava o gol - inclusive nas peladas na Praça saiqui, onde passei a jogar na linha somente aos meus 16 anos.
Antes do leitor fazer qualquer julgamento, posso dizer que, mesmo com alguns recalques de infância e juventude, sempre fui uma pessoa saudável; um indivíduo não rancoroso e obstinado a vencer, nem que seja pela teimosia. Persisto, perco... até aceito as regras dos outros. Mas por conta dos recalques, involuntariamente, parece que tudo quanto eu faço é motivado para mostrar aos outros, dentro de mim, que eu sou capaz. Sei que não preciso demonstrar aos outros o meu potencial (basta isso só para mim). No entanto, isso, sem querer, tornou uma constante em minha vida, para superar meus traumas, minha baixo auto-estima e mostrar o quanto sou capaz de reverter um processo a meu favor, mesmo que à contramão das circunstâncias e do "sensismo comum" da maioria.
Outra frustração, pequena mas sucinta (daí o porquê do meu caráter nacionalista), foi NUNCA ter estudado no Colégio Militar - em sonhos que povoram a minha mente de criança. Embora passasse para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) em 1997, isto não seria suficiente para satisfazer um sonho perdido há muito tempo e que não pode voltar atrás em qualquer momento.
Por outro lado, no campo pessoal, nunca fui convidado a uma festa de 15 anos para dançar com a aniversariante. Ou mesmo em festas de aniversário, onde a minha presença fosse sentida. O máximo que fui, uma vez, foi apenas ser convidado para ser apenas um número a mais. Fui vetado, inclusive pelo meu amigo (na época, Comandante do meu Pelotão na EsPCEx), para fazer parte dos representantes escolhidos do seu pelotão para ir, com o uniforme 1A da EsPCEx (a túnica branca, com calça azul escura com detalhes de cor azul-turquesa em duas faixas verticais). Com esse recalque, a partir daí comecei a cultivar uma série de códigos de valores pessoais. Uma delas é estar avesso a aniversários (seja quais festas forem, até de amigos mais íntimos meus) ou festas afins. Gosto de ser reconhecido pelo meu valor e pelo que eu sou e porto (em tese) aos que dizem ser importantes na vida de cada uma destas pessoas que afirmam verbalmente e em seus atos.
Continuando, além de não gostar a freqüentar festas (e ficar alheios a eles, em um ato que, por vezes, soa como "anti-social"), prometi a mim mesmo que, se eu tivesse uma filha, faria o melhor aniversário do mundo dos 15 anos dela e chamaria um cara intelectual, da mesma idade dela, para dançar ao seu lado. Não chamo ninguém (ou quase ninguém) ao meu aniversário, porque nunca fui lembrado em quase todos os meus 28 anos e nunca tive uma festa significativa e espontânea dos meus amigos, na minha infância, adolescência e parte da minha juventude. Penso o seguinte: já que não me chamaram as festas de 15 anos ou fizeram festas de aniversário para mim (nem mesmo os meus amigos mais achegados), o melhor presente que eles podem me dar é a amizade e a destra de companhia e companheirismo.
Um dos exemplos para exemplificar isso foi quando um aniversário meu foi feito no dia de um dos ensaios da Equipe de Louvor da minha saudosa Igreja Congregacional do Primeiro Amor, em Vila Valqueire. Algumas pessoas, com certeza, sabiam do meu aniversário. Somente a Cristiane, a Cíntia e a Débora Campos fizeram questão de me parabenizar pelos 24 anos de vida que eu fazia. Com os outros membros do louvor, eram feitas as festas, com bolo, doces, salgadinhos e refrigerantes, além da oração. Comigo não houve absolutamente nada! Nem mesmo um "parabéns" xoxo, mocorongo e acochambrado de alguém, na maior má vontade, eu pude receber. Saí de lá às lágrimas, carregando em mim os recalques, mágoas e tristezas de gente que, na prática, não se preocupavam com o mais próximo deles, louvando a Deus da boca para fora, sem exercitar o exercício fraterno (o mínimo que fosse!) e usando de um orgulho espiritual estúpido e fundamentalista. Fui para casa chorando, durante o trajeto de três quilômetros, e fiquei imaginando, na minha mente, a imagem de pessoas me aplaudindo, gritando o meu nome e acenando para mim, no momento em que fosse andar, em uma marcha vitoriosa, pelas ruas do meu bairro e, se possível, do Rio de Janeiro.
Outra frustração minha é que nunca tive uma festa de formatura e nem mesmo fui o orador de qualquer turma, em qualquer ocasião. Um recalque que mexeu profundamente em mim, interferindo até hoje em mim. Em contrapartida, o movimento estudantil da UFRJ me deu ânimo e uma vitalidade na minha auto-estima que, creio eu, se não fosse por ela, talvez não seria o Wendel que escreveria este arremedo de crônica agora. Em suma, um Wendel que escreve o que sente. Que luta! Que, em meio a mágoas e frustrações, acredita na vida - que é rica e expressiva, por sinal. Enfim, o Wendel, humano e compreensível, que, mesmo com os seus recalques insuperáveis, luta, persevera e persiste. Que não esconde em momento nenhum as suas fraquezas! Mas que as usa como mola para alcançar sonhos maiores, resumidos em um só: viver intensamente, servindo a uma causa maior.
Talvez foi e é o meu maior antídoto para os recalques que carrego...