Invasão

Eu juro que a sala estava sendo atacada por seres estranhos.

Não sabia quem eram mas eram estranhos. Pude ouvir a fúria de encontro à janela. Ora mais grave, ora mais agudo, fazia-se o repicar na sala iluminada apenas pela televisão. Não demorou e o primeiro apareceu, ele não queria invadir, mas evadir-se. Acho que não gostou da residência ausente de gente. Eu também não gosto e muitas vezes penso em sair pela janela também.

Podia entender aqueles besouros grudados na cortina, queriam fugir da solidão.

Um grito! Era eu! "Sai bichinho"!

"Justo ni mim"!

Acordou a mãe. _Para de escândalo. Vai dormir. A noite é deles, não foi feita pra você merdinha!

4:00 da manhã de 12-01-88

Paixão molhada

Foi o momento de paixão onde o apaixonado era somente eu. Não queria perder nenhum momento da chuva, do alarde que fazia. Ela esbraveja e de repente chorava. Seus soluços clareava a escuridão que ela mesma havia lançado sobre nós.

A música no rádio também chorava em melodia querendo atenção. Desliguei da tomada para me deixar embalar apenas pela música lá de fora para deixar a Natureza se fatigar e desistir de cantar. Então eu pego papel e lápis para falar deste encanto.

Mas e se um raio me partisse ao meio? Tive medo não da morte mas de jamais poder contar dessa magia que me assenhorou. Então cá estou, no momento exato que a chuva passou.

Boa Noite Palavras

É um mistério único que rodeia minha vida. É um acontecimento que parece festa junina fora de tempo. Nessas horas da madrugada e eu ainda acordada. As palavras me atormentam e se apoderam das paredes, da cama, de meu ser enfim. Elas vem como relâmpagos e batem insistentemente às portas de minha mente implorando por se apoderar de meu corpo. Eu rolo na cama, ranjo meus dentes mas não consigo adormecer. Mais parece um castigo, tento fugir mas não dá. Elas vão se embrenhando nos meus pensamentos e vão se transformando em cenas. Agito na cama mas só terei paz se passá-las para o papel.

Para mim as palavras tem espíritos que vagam pelo espaço e se alegram no momento que encontram alguém fraco como eu em quem incorporar.

Eis-me aqui, fazendo tudo que essas ricas almas desejam.

Sinto agora meu corpo aliviado, a mente mais relaxada e já começo a bocejar pois um furacão saiu-me de dentro. Um soninho acanhado promete-me fazer dormir.

_Boa noite palavras, até amanhã de madrugada.

12-09-87 3:00

Pagamos o preço por sermos diferentes até no pensar

Eu sempre fui diferente, não apenas fisicamente, mas nas minhas ideias de justiça social. Sempre fui crítica diante das hipocrisias sociais e não me calava com os preconceitos ao meu redor. Isso fazia e faz de mim o membro da família menos bem vindo, menos querido nas rodas das festas, dispensadas nas viagens de família. Levavam meu filho, mas nunca me convidavam. Foi chocante quando me dei conta de que essa situação despertava em meu filho os mesmos preconceitos sobre mim. Ele ainda era criança mas já achava que meu lugar era mesmo dentro de um apartamento isolada do mundo. Mas não parou por aí, eu era mãe de família, com um marido no Japão e meus familiares resolveram que tinha o direito de me bater dentro de minha própria casa. Devo dizer, com um grande aperto no coração, mesmo porque já os perdoei, que não eram irmãos sem instrução nas leis. Todos tinham muito bem a consciência do que faziam. Apanhei dos três. Para evitar que a fila se formasse em minha porta com mais pessoas querendo me bater, na terceira vez fui à delegacia. Claro que a repressão foi bem pior, porque fui vista como uma devassa louca querendo destruir minha família. Aguentei. Depois de um ano as coisas começaram a mudar. Hoje tenho dois filhos, um de 24 e outra de 14 que criei sozinha, mas não me arrependo de ter buscado justiça porque isso trouxe minha dignidade de volta e a consciência neles de que o que faziam era errado. Penso que devemos cortar os males pelas raízes porque a violência sempre atinge os mais frágeis.

sonia dezute
Enviado por sonia dezute em 30/10/2014
Reeditado em 31/10/2014
Código do texto: T5016801
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