NA FILA DO AÇOUGUE

Oito horas da manhã e o sol castigava sem piedade. O caminho entre o estacionamento e a entrada do supermercado é curto, ainda assim, entrei no estabelecimento e gotas de suor ameaçavam cair da minha testa. Ar condicionado, sentimento de alívio.

Havia uma fila enorme à frente da seção de açougue. Lá fora o calor intenso fez com que eu perdesse a pressa de ir embora e resolvi enfrentar a fila. De repente, desfilavam diante de mim diversos tipos de pessoas, e eu gosto de conversar com estranhos.

O homem baixo à minha frente dana a falar sobre suas virtudes. Escutei sem prestar muita atenção, a voz dele me irritou e ele nada percebeu, prosseguiu contando vantagens. É impressionante como temos a mania de enaltecer nossos feitos.

Num dado momento, falou que era contra o bolsa família, “coisa de vagabundos” frisou. E tratou de contar que sempre trabalhou; foi engraxate, padeiro, pintor, até entrar para o serviço público, “por concurso” fez questão de alertar.

Embora eu não concordasse com a sua opinião, me mantive quieto, remexendo os escombros do lugar à procura de uma visão que aquietasse meus pensamentos. O baixinho prosseguiu num tom de voz alto, no desejo ardente de conquistar mais ouvintes. Perdigotos voavam por todos os lados.

Uma moça passa por perto trazendo pelos braços uma garotinha sorridente, que olha em minha direção num encanto que acalma minha alma. A fila não anda, idosos aparecem a todo instante e eles têm prioridade. Começo a me incomodar, mas a simples lembrança do calor lá fora, gera novo ânimo.

O rapaz da ponta resolve falar mal do governo e o baixinho se empolga: ladrões, safados, dizem quase ao mesmo tempo. Nova chuva de perdigotos. E se eu fosse para a seção de frutas e voltasse mais tarde pra fila da carne? Pensei com meus botões.

Ao lado, já eram tantos os idosos, que formaram outra fila. O baixinho se aquietou por instantes, até se lembrar de quando era jovem e sussurrou-me suas conquistas. Foram tantas que quase acreditei. Um senhor de olhos claros e cabelos tingidos pelo tempo, chega à fila dos idosos.

É o único que não é magro, embora também não fosse gordo; usava bermuda e camisa regata, da sandália de couro apontavam as unhas compridas e mal tratadas, provavelmente seu único defeito. Disfarço o olhar, não quero chamar a atenção, fico a imaginá-lo quando jovem. Faço o mesmo com a senhora à frente dele. Talvez foram namorados tempos atrás e agora, as vistas cansadas, sequer se reconhecem. Quantos anos será que eles têm? A garotinha retorna em desabalada carreira.

A jovem mãe vem atrás, aos gritos: “Espere a mamãe, Cristina!”. Que nome lindo. Há tempos que não ouvia alguém pronunciar esse nome, que era comum quando eu era jovem. Quando eu era jovem… Um pensamento estranho me percorre: Logo estarei na fila ao lado. Enfim chega a minha vez. Um quilo de bife e dois peitos de frango pedi, e fui embora.

Lá fora o calor dos diabos me aguardava.