Fila de Banco – De máquinas e homens

Fui ao banco antes do dia dez, coisa que não se deve fazer. Uma sala imensa atulhada de caixas eletrônicos estava repleta de gente, suada, nervosa e irritada. Em um dos lados, uma passagem dava para uma porta giratória que levava ao andar superior onde estavam os caixas humanos. Antes da porta formava-se uma pequena fila de umas dez pessoas para o recebimento da senha, distribuída por um funcionário sentado em uma escrivaninha. Entrei na fila, pois a operação que eu precisava realizar não podia ser feita no caixa eletrônico. Na minha frente uma senhora aparentando setenta e poucos anos, apoiava-se com uma das mãos em uma bengala e com a outra em um senhor de uns cinqüenta anos que parecia ser o seu filho. O senhor estava bem tenso e logo achei que a relação entre os dois não devia ser das melhores. A fila não andava porque o funcionário, além da distribuição das senhas, dava todo tipo de informação e ainda por cima ajudava as pessoas que não sabiam utilizar os caixas eletrônicos. O senhor à minha frente foi ficando cada vez mais tenso, a cabeça movia-se em todas as direções em movimentos bruscos, lábios apertados, dentes cerrados, maxilares salientes e pequenos tiques nervosos no rosto duro.

Finalmente a fila voltou a andar, o senhor e a senhora receberam a senha, mas e a porta giratória? A velha, a bengala e o filho não cabiam no espaço da porta e, aparentemente, a velha não conseguia dispensar nenhum dos dois. Felizmente havia uma passagem lateral e o segurança do banco, detrás da parede de vidro, indicou o caminho. A senhora, no entanto, trazia uma bolsa, o senhor portava uma mochila e o segurança indicou uma abertura por onde o equipamento teria que ser introduzido, para inspeção. Acontece que a mochila não passava pela abertura. Discussão daqui, discussão dali, o senhor foi ficando cada vez mais nervoso, pequenas gotas de suor brotavam no seu rosto, movimentava-se para um lado e para o outro, largou a mão da mãe que, sem apoio, encostou-se na parede, o senhor percebeu, voltou para junto da mãe, mas a mochila, o que fazer com a mochila?

Tensão do lado de cá, tensão do lado de lá da parede de vidro. De tanta tensão fiquei com medo da corda arrebentar, quer dizer, corda não, que não havia, mas podia o vidro da porta estilhaçar, a velha podia dar uma bengalada, o filho podia jogar a mochila ou outra coisa qualquer, sabe-se lá o que havia dentro da mochila, de forma que dei dois passos para trás e já ia perder o meu lugar na fila, quando, felizmente, a questão acabou-se resolvendo, bolsa e mochila foram inspecionadas, a porta de vidro foi aberta, os dois passaram e lá se foi a velha, passinho curto e duro e o seu filho, rosto crispado, olhando em volta, visivelmente incomodado.

Passada a tensão, pensei com meus botões. Primeiro vem a automação bancária e o abismo cultural que daí resulta: senha, memorizar senha, leitura biométrica, dedo sujo ou machucado, pressão do dedo incorreta, tela eletrônica e o seu código misterioso, saber onde estão as coisas, que botão clicar, quando e como, memorizar números e dados, memorizar a receita e o caminho do menu, saber a informação a tempo, tempo cada vez mais rápido, tempo que a máquina nos rouba que é para ganhar o tempo dela, quer dizer, deles. Tudo isto reforça a marginalização: velhos, pobres, iletrados, desligados, descolados e desmemoriados.

Depois vêm as barreiras para reter a massa dos marginalizados, marginalizados que o sistema mesmo criou: câmaras de segurança, portas giratórias, sensores eletrônicos, detectores de metais, seguranças e seu arsenal de armas e armaduras. Para neutralizar os monstros que o sistema mesmo cria, crackudos, ladrões, delinquentes e psicóticos de todo tipo, o sistema cria fossos, muros, barreiras tecnológicas, verdadeira idade média. Só que com os muros e barreiras criam-se ainda mais monstros, mais muros e barreiras, daí resultando mais monstros, num círculo vicioso que não é difícil imaginar onde pode terminar.

Cláudio Thomas Bornstein