Crônica de Cingapura (Junho/2002)

Se maio nos trouxe eventos de sobra, com os ventos juninos, pelo jeito, a coisa dobra. E, nem portanto se arremata a obra ou se mata a cobra, enquanto vão se erguendo em legião mastros para se homenagear o Santo da devoção.

Só a Copa, que a tanta gente dopa, vai consumir o mês inteiro, até o seu dia derradeiro. E por segurança - abaixo a França! – o que parece ser o lado confortante nessa história é saber que atrás da eventual saída inglória, o consolo poderá ser encontrado junto a outras 30 nações que, na trilha do campeão, terão ilustrado a figuração. E vamos nos preparar para torcer e nos contorcer.

Como dizia Jules Rimet, o criador desse torneio, o importante é competir. Desde que ao final da campanha, a gente é que beba a champanha. Ou o champagne, como nos corrigiria - e tal qual bebia - o próprio Charlemagne. Cabe aqui até fazer uma adaptação, de ocasião,

àquele velho ditado, provavelmente de Ibrahim Sued: Pra quê deixar pra amanhã, se pode beber hoje o champã?

Bem, pelo menos teremos uma Santa nova - e nossa – a invocar a

proteção, ainda que alguma gente, mesmo crente, a capetice do Romário preferisse. E já não taí quem o disse... Mas vamos ao fato: no dia 21/05, foi finalmente trazida ao lume essa boa-nova, em concorrida e seletíssima cerimônia no Vaticano. Presentes, o Papa, nosso Presidente, fervoroso como ele so, e tanto bom cristão à Deus temente. E se anunciou solenemente: a Santa de Santa Catarina. De cristã, Madre Paulina. Amabile, quando menina. E Nova Trento, SC, onde boa parte da vida ela passou, se regozijou. A ponto até que se exagerou. A

cidade não estava preparada para o súbito influxo de fama e de turismo de acesa flama. Lojas, casas, lotes, velas e favelas, tudo de repente se valorizou. Na falta de efígies da nova Santinha, tinha gente vendendo até estatuetas de Santa Rita de Cássia. Mas é a velha história: na falta da Vera Santita, cássia-se mesmo com a Rita.

E foi o que o candidato da coligação situacionista fez: numa situação quase aflita, escolheu ali, nao a Lee, mas também uma Rita, capixaba e muito catita, apostando que a partir de agora seus índices apontem rápido crescimento, feito massa com fermento. E a Rita já provou ser boa de Câmara e de Camata. Daí, a rationale dos sábios e infalíveis marqueteiros é de que quando a mulher mete a colher, faz missa e massa subir como quer. E parece até que todos os outros candidatos já

estejam de olho numa chapa de chapa. Para Vice, é o que se disse, já que uma Presidência, aí levantam o facho: ainda seja coisa pra macho. Diacho? Enquanto isso, devem pulular mil idéias para se saber quem será a eleita de Enéias.

Faço uma observação quiçá sem muito sentido, que irá logo cair no olvido, mas dou meu dever por cumprido: para ter uma melhor penetração junto ao eleitorado feminino (que responde por 53% do total) sou mais uma Rô-Rô. Aquela sim, além de alucinar a alma feminina, pode ser encontrada no bar da esquina, a voz não afina e está pronta para cantar de galo, tomando pelo gargalo. De mais, tarimba ao microfone tem mais. Mas, em meio à guerra, faria subir Serra? Ou aí a coisa emperra?

Vamos à arte, que há por toda parte: a Primeira Ministra da Nova Zelândia, Helen Clark, anda às voltas com a acusação de que teria

assinado quadros que não pintou. Só para dar um impulso à obra de novos artistas, ou para satisfazer um ego, pego com a mão na massa. Pintou ou não pintou, Helen parece ter feito arte.

E arte foi por água abaixo, em Mulhouse, na França. O jovem Stéphane Breitwieser, doublê de garçom e de clepto em mansões chiques da Europa chegou a amealhar raras e caras obras de arte no valor estimado de US$ 1,4 bilhão, mas nada pode vender - para não chamar a atenção da polícia. Quando o cerco foi apertando, sua maman, apavorada, jogou quase tudo num canal. Águas de maio? Afago pro filhote, afogo pro dote.

E os cientistas continuam a fazer das suas. Dia desses o Straits Times trouxe a imagem de um galo rubro como um pimentão e totalmente depenado. Resultado da manipulação genética, dizem os sábios, que nesse caso teria o efeito prático de dispensar o trabalhoso "depeno". Mas dá pena olhar para aquela ave, e creio que até as galinhas, assustadas com aquela vermelhidão, perderiam a motivação à reprodução. E, no entanto, posso estar totalmente enganado. De toda forma, imagino: fosse só um pintinho pelado, seria até bonitinho. Mas

quando cresce... façamos aqui uma prece.

E ao que parece, nem mesmo reza brava para acabar com as bravatices e sandices dos governantes da Índia e do Paquistão. O objeto do

desejo é a Cachemira, de que cada um ocupa a metade, sem querer saber se aquele sofrido povo não merece sua própria liberdade. Como ambos os países acabam de ingressar na era nuclear, afia-se a retórica da vitória decisiva, enquanto a fronteira que os divide vai sendo ocupada por tropas e mais tropas. E enquanto não se aperta de cá ou de lá o fatal botão, os civis é que sofrendo vão. Em vão.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 27/10/2014
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