BAÚ DE GUARDADOS

São Bernardo do Campo, 06 de junho de 2013

BAÚ DE GUARDADOS.

Um dia eu tive um sonho. Sonhei que eu não tinha nada pra fazer e fiquei andando de um lado para o outro, buscando algo para me distrair. Entrei num cômodo, mas não sabia o que ali era. Abri a porta, acendi a luz, olhei para os lados, e de repente, vi num canto um pequeno baú, já muito desgastado pelo tempo e pelo uso.

A curiosidade bateu forte: o que teria lá dentro? Abri-o, olhei, e vi tantas coisas ali guardadas, tão familiares, tão conhecidas, que já nem me lembrava mais que elas existiam.

Comecei a olhar uma a uma, percebi que estavam muito bagunçadas, tão misturadas, que nada fazia sentido.

Então, busquei um pouco de paciência, despejei tudo no chão, resolvi organizar para de novo guardar todo aquele conteúdo. Mas qual não foi minha surpresa, era tudo meu mesmo.

Então, pacientemente, fui separando item por item: isqueiro velho, cordão de ouro com crucifixo, uma flor ressequida, um par de abotoaduras, uma pequena caneta tinteiro e, dentre tantas coisas, alguns papéis já muito deteriorados, amarelados com o tempo. Comecei a lê-los, com muita dificuldade, fui lendo-os e separando-os, muitos desses papéis me fizeram rir, outros causaram certo desapontamento, e outros ainda, muitas lágrimas deslizaram por minha face.

A cada cartinha lida, cenas passavam por minha memória, como se estivesse vendo um filme de longa metragem, era tão real, que até a trilha sonora eu conseguia ouvir.

Fui lendo e assistindo a cada película, o que me causou uma saudade inexplicável. Cada carta um filme, um romance; cada romance uma dor, cada dor, uma lembrança e um desejo de encontrar o caminho de volta.

De repente, uma carta com o papel ainda novo. Percebi que nele estava escrito uma história de amor recente, não consegui ler a data, mas, o filme que projetava em minha mente tinha cenas maravilhosas, cenas que jamais, anteriormente, eu havia experimentado. Cenas com muitas amarguras e tristezas, que me fizeram sentir e sofrer, mas vi também sofrimentos que causei a outrem. E, quando comecei a assistir as cenas amistosas, cenas de momentos sublimes, de alegrias e felicidade, percebi o quanto fui feliz nesse episódio de minha vida. Estas cenas superaram e muito as de dores. Pensei: vou apagar a luz, ficar na penumbra. E, com o lume de um isqueiro, continuei a leitura. Meu corpo estremeceu, ví numa das cenas alguém deitado numa cama, sua silhueta em cujo contorno meus olhos deslizavam, buscando toda a maravilha ali vivida. Minha boca abriu-se levemente, e senti como se lá estivesse o calor de seus lábios, seu hálito. Cheguei a ouvir sua voz rouca, seu sussurrar baixinho dizendo o quanto me amava. Novamente minhas faces umedeceram, com as lágrimas que me desciam suavemente pelo rosto. Jurávamos amor infinito, amor que jamais eu pensaria que um dia tivesse limite.

Meu coração batia tão forte, tão rápido, que parecia que do peito iria pular. Continuei lendo, lendo, me deliciando com tudo que ali eu via, eu assistia, eu ouvia.

De repente, um estampido, uma sensação muito ruim tomou conta dos meus sentidos, alguém estranho adentrou meu pequeno espaço, tão meu, tão nosso, tão reservado. Percebi que algo de muito ruim iria acontecer, mas não foi surpresa, esse estranho tomou de minhas mãos aquela silhueta, e com tanta voracidade, sem perder tempo, levou-a para bem longe, deixando meu coração triste e arrasado. Nesse momento, senti como se tivesse levado um golpe que causou muita dor, que jamais eu havia sentido.

Minha linda e doce silhueta foi embora, jurando amores ao estranho, deixando-me numa triste e profunda solidão. Oh! Deus, quanto chorei, foi como se eles pusessem a mão no meu coração arrancando-o do peito.

Meus olhos transbordavam de tantas lágrimas, que acabaram apagando o lume do isqueiro, naquele espaço tão meu, tão nosso. Me vi perdido nas trevas de minhas lembranças.

Pensei que estivesse dormindo, que fosse um pesadelo e que, ao acordar, veria que esta história de amor não termina assim. Pensei em me deitar, dormir, e ao acordar, novamente a felicidade estaria presente no meu caminho. No escuro do espaço tão meu, tão nosso, recolhi item por item os objetos de volta ao baú, menos aquela carta, que não tive coragem de ali deixar guardada.

Levantei do chão com lágrima nos olhos, saí, fechei a porta e deitei-me na cama, para que o milagre de sair desse pesadelo acontecesse.

Mas ao acordar, percebi que a película antes experimentada, não continuou, ela fora simplesmente interrompida por alguém que não soube respeitar o santo lar de um ser humano, esquecendo que nesse lugar morava um par feliz, cheio de erros e acertos, mas feliz.

Esse alguém, que certamente não conhece as leis divinas, um dos dez mandamentos do criador. Em nome de um amor egoísta, arrebatou para si aquilo que mais dava sentido à minha vida.

Recebi interessantes julgamentos de indivíduos paralelos à minha história de amor que, ao condenar-me, diziam coisas como: “plantou, agora colha.."..

Em minha consciência, nada tenho a colher. Aprendi, que quando um não quer dois não brigam. Se fiquei na minha triste estrada, falhei, mas também sei que a falha maior não partiu de mim.

Ora, ninguém da noite para o dia, pode amar mais do que as pessoas quem têm um tempo de cumplicidade, porque o amor não é um produto comprado na vendinha, ele é construído no dia a dia, nos erros e nos acertos, no respeito mútuo, no carinho que se predispõem em favor de seu amado, e isto eu fiz com maestria.

Novamente o silêncio toma minha vida, não ouço mais seu sussurrar, não sinto mais o calor de seus lábios, não ouço mais as juras de amor que outrora me fizeram feliz. Sim, santo não sou, muitas vezes deixei que minhas emoções tomassem conta da razão, mas também provei a maior parte do tempo que amei, sim amei intensamente.

Mas quis o destino ser traiçoeiro comigo, e assim ao acordar, vi que o pesadelo era real.

Minha triste sina é ficar aqui lembrando, lembrando e remoendo essa história de amor.

Hoje eles vivem num prado distante, jurando amor eterno um para o outro, observando suas silhuetas, seus sussurros, seus lábios ardentes em beijos que talvez sejam frenéticos.

Mas com certeza, alguma coisa ficou em suas memórias, e com o passar do tempo, verão que para serem felizes, precisaram matar uma história de amor. Matar um coração que pulsava firme e com desejo de tornar um futuro como uma verdadeira obra de arte, daquelas que um grande músico pode compor, daquelas que um grande pintor possa tingir a tela, daquelas que um escritor possa descrever com tanta sensibilidade, para causar um sentimento maior que não seja menor que o "amor".

Assim fico aqui amando a distância, porque meu amor é verdadeiro, meu amor não é comprado no comércio, ele é construído ponto a ponto; pena mesmo que essa construção tenha sido edificada somente de um lado, causando assim o efeito "Torre de Pisa", penso de um lado só.

Mas ainda que essa torre esteja tombando, não fará que meu amor vá junto. Por que? Porque realmente eu amei, amo e amarei sempre essa silhueta que me foi tirada.

Ismar Guijarro
Enviado por Ismar Guijarro em 26/10/2014
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