Histórias que não têm fim
Desta feita a história era de um menino que todo dia ia no cacimbão para buscar água. Mas de uma hora para a outra, sem mais nem menos, se negava a ir. A mãe desse menino, atarefada nos afazeres da casa, insistia muito, mas o menino não queria ir mais no cacimbão de jeito nenhum. A mãe desse menino ficou cabreira com aquilo e se aquietou. E perguntou o que tinha lá no cacimbão. O menino assustado disse sussurrando que toda vez que ia buscar água, tinha uma mulher lá, sentada em cima da tampa. E essa mulher não era gente não.
Passou o tempo e ninguém mais quis buscar água no cacimbão. Ninguém tinha coragem de ir lá por causa da mulher sentada na tampa. Por causa disso, tempos depois se descobriu que o filho do coronel, dono daquelas terras, tinha assassinado uma mulher e jogado o corpo no cacimbão, descobrindo assim um crime que talvez nunca teria sido descoberto.
O sertão é uma colcha de retalhos de histórias que não têm fim. Ainda hoje, as pessoas se reúnem em torno da mesa da cozinha para prosear. Conversa vai, conversa vem, a prosa descamba sempre para as histórias de alma penada. Quase todo mundo sabe de uma dessas histórias, ou que ouviu alguém contar ou mesmo que conheceu alguém que a protagonizou.
Meu avô, muito eloquente, contador de causos, se adiantava sempre quando o assunto era esse. Os meninos se acotovelavam na mesa, assustados com mais aquela história. A luz da lamparina tremulava, projetando sombras descomunais na parede. O cheiro do cuscuz e do café enchiam as narinas. Lá fora, a noite era escura como breu, salpicada das brasas dos vaga-lumes e o vento frio ondulava as palhas das carnaubeiras, prateadas pela lua branca, silvando e rangendo nos galhos secos do cajueiro. De quando em quando, o pio da rasga-mortalha cortava o silêncio.
O sertão por si só já é um poema.
Meu avô sabia de um monte de histórias assim. Dizia até que dava pra escrever um livro. E dava mesmo. Mas nunca escreveu. Não porque não sabia escrever, mas porque gostava mesmo era de contar com a boca. Cada vez que contava uma mesma história, tinha coisas novas, que era para aumentar a história como se fosse outra. Sempre começava dizendo que tinha ouvido alguém contar aquela história e que tinha acontecido há muito tempo, quando não tinha esse negócio de televisão nem de internet, quando as pessoas pareciam ser mais inteligentes e criativas. Mas o bom da internet é que agora a gente conta essas histórias para o mundo todo.
Bem que o Conselheiro avisou que o sertão ia virar mar.