A mitologia, o Olimpo, os livros e eu
Livros para mim sempre foram como deuses do Olimpo – perfeitos, inalcançáveis, desejados. Na minha infância pobre no município de São João de Meriti, não tive muitos livros em casa, com exceção da Bíblia e alguns livros religiosos do meu pai. Na escola não tinha essa coisa de incentivo à leitura, levar livro para casa para os pais lerem junto, nada disso. Bibliotecas públicas, então, eram um caso à parte. Aliás, bem à parte, pois se hoje, mais de trinta anos depois da minha infância não há tantas bibliotecas disponíveis, não só na Baixada, diga-se de passagem, imagine naquela época. E, vamos combinar, com os horários de funcionamento delas, eu nunca poderia ir. Afinal, no horário comercial os pais estão trabalhando também. (Abro um parênteses para enfatizar que precisamos de mais bibliotecas e de maior horário de atendimento. E que se façam empréstimo de livros, ora bolas!)
Mas, voltando a minha infância, lembro da salinha onde havia algumas parcas prateleiras com livros na minha escola. Eu pegava um livro infantil e a moça carimbava a entrega para quinze dias depois. Eu lia na mesma tarde, ao retornar à casa e ficava angustiada nos outros catorze dias, ansiosa pela data da entrega para eu poder pegar outro livro. Até o dia que eu descobri que não precisava esperar esse tempo todo. Muito obediente nos meus sete ou oito anos, demorei um pouco para saber dessa notícia, dos que me pareceu um manjar deuses para minha fome e sede de leitura. Virei Diana, caçando os livros lá na escola.
Foi quando a moça da salinha com as prateleiras e livros não teve mais sossego. Todos os dias eu estava lá, devolvendo um livro e pegando outro. Ela até começou a fazer concessão e liberar dois ou três títulos de uma só vez. Acho que ela queria que eu só voltasse dali a uns três dias para que ela tivesse tempo para outra coisa – não sei exatamente o quê, visto que eu era a única frequentadora daquele espaço. Mas, lá estava eu no dia seguinte com todos os títulos lidos e ainda com mais fome de leitura. Talvez estivesse alegremente condenada a passar meus dias naquele labirinto (de Teseu?), composto por duas ou três prateleiras enfileiradas – mas que, comparadas a minha casa praticamente vazia, era um gigantesco mundo de livros.
Na adolescência, houve uma febre de sebos de livros em Duque de Caxias. Antes, eu precisava ir ao centro do Rio para comprar livros, garimpar nos diversos e esparsos sebos. Agora, com os sebos da minha cidade era ainda melhor. Você fazia uma carteirinha e pagava um valor mensal e podia ler quantos livros quisesse. Parecia até aqueles restaurantes tipo self service sem balanças. A pessoa come à vontade por um preço só. E eu podia ler quantos livros quisesse e conseguisse, pagando a mesma taxa mensal! Aquilo ali era o Olimpo ou o quê? Eu me senti no banquete dos deuses.
Foi minha fase Sidney Sheldon e Agatha Christie, embora não apenas esses. Conheci José de Alencar e Machado de Assis nessa fase. Mas, passava longe de muitos títulos que, só mais tarde, tomei conhecimento da existência e cuja importância literária descobri tardiamente. Às vezes, não é a quantidade da comida que vale, mas sua qualidade. Eu não tinha quem me guiasse na qualidade. Lia de tudo, mas nem tudo estava disponível lá no sebo.
Na época da faculdade comecei a, finalmente, ter minha própria coleção. Ganhei livros de amigos e colegas de trabalho, comprei alguns títulos indicados nas referências bibliográficas da faculdade – aliás, eu fazia lista de todos os livros que os professores passavam, prometendo que, quando eu terminasse o curso, compraria todos. Afinal, fazendo faculdade à noite e trabalhando para custeá-la, eu tinha que ser bastante criteriosa na compra de livros. Ainda bem que não comprei todos. Quem disse que nas ementas universitárias encontramos sempre os livros que realmente valem a pena ser lidos?
E os livros foram se avolumando na minha casa. Sim, vinte a trinta títulos na época pareciam o que chamam hoje de ostentação. Precisei de um móvel para guardar aqueles bens preciosos. Minha primeira estante foi um móvel antigo, que servia de bar. Sim, daqueles em que se guardavam as garrafas de bebidas alcoólicas, cheio de espelhos dentro, com chave e tudo. Meus livros ali enfileirados nas duas prateleiras ficaram lindos. E quando eu queria ficar inebriada, era só abrir a porta e escolher, pedindo ao Baco dos livros que me deixasse bêbada de leitura.
Realmente o Cupido me acertou em cheio desde cedo, pois meu caso com os livros é de amor eterno.
Hoje, professora e escritora, meu sonho é que outros também possam voar para perto do sol, mas não com asas de Ícaro, que logo vão derreter e derrubá-los. Desejo que voem com asas mais fortes que só a leitura proporciona. Que voem com as asas da imaginação.
Livros para mim sempre foram como deuses do Olimpo – perfeitos, inalcançáveis, desejados. Na minha infância pobre no município de São João de Meriti, não tive muitos livros em casa, com exceção da Bíblia e alguns livros religiosos do meu pai. Na escola não tinha essa coisa de incentivo à leitura, levar livro para casa para os pais lerem junto, nada disso. Bibliotecas públicas, então, eram um caso à parte. Aliás, bem à parte, pois se hoje, mais de trinta anos depois da minha infância não há tantas bibliotecas disponíveis, não só na Baixada, diga-se de passagem, imagine naquela época. E, vamos combinar, com os horários de funcionamento delas, eu nunca poderia ir. Afinal, no horário comercial os pais estão trabalhando também. (Abro um parênteses para enfatizar que precisamos de mais bibliotecas e de maior horário de atendimento. E que se façam empréstimo de livros, ora bolas!)
Mas, voltando a minha infância, lembro da salinha onde havia algumas parcas prateleiras com livros na minha escola. Eu pegava um livro infantil e a moça carimbava a entrega para quinze dias depois. Eu lia na mesma tarde, ao retornar à casa e ficava angustiada nos outros catorze dias, ansiosa pela data da entrega para eu poder pegar outro livro. Até o dia que eu descobri que não precisava esperar esse tempo todo. Muito obediente nos meus sete ou oito anos, demorei um pouco para saber dessa notícia, dos que me pareceu um manjar deuses para minha fome e sede de leitura. Virei Diana, caçando os livros lá na escola.
Foi quando a moça da salinha com as prateleiras e livros não teve mais sossego. Todos os dias eu estava lá, devolvendo um livro e pegando outro. Ela até começou a fazer concessão e liberar dois ou três títulos de uma só vez. Acho que ela queria que eu só voltasse dali a uns três dias para que ela tivesse tempo para outra coisa – não sei exatamente o quê, visto que eu era a única frequentadora daquele espaço. Mas, lá estava eu no dia seguinte com todos os títulos lidos e ainda com mais fome de leitura. Talvez estivesse alegremente condenada a passar meus dias naquele labirinto (de Teseu?), composto por duas ou três prateleiras enfileiradas – mas que, comparadas a minha casa praticamente vazia, era um gigantesco mundo de livros.
Na adolescência, houve uma febre de sebos de livros em Duque de Caxias. Antes, eu precisava ir ao centro do Rio para comprar livros, garimpar nos diversos e esparsos sebos. Agora, com os sebos da minha cidade era ainda melhor. Você fazia uma carteirinha e pagava um valor mensal e podia ler quantos livros quisesse. Parecia até aqueles restaurantes tipo self service sem balanças. A pessoa come à vontade por um preço só. E eu podia ler quantos livros quisesse e conseguisse, pagando a mesma taxa mensal! Aquilo ali era o Olimpo ou o quê? Eu me senti no banquete dos deuses.
Foi minha fase Sidney Sheldon e Agatha Christie, embora não apenas esses. Conheci José de Alencar e Machado de Assis nessa fase. Mas, passava longe de muitos títulos que, só mais tarde, tomei conhecimento da existência e cuja importância literária descobri tardiamente. Às vezes, não é a quantidade da comida que vale, mas sua qualidade. Eu não tinha quem me guiasse na qualidade. Lia de tudo, mas nem tudo estava disponível lá no sebo.
Na época da faculdade comecei a, finalmente, ter minha própria coleção. Ganhei livros de amigos e colegas de trabalho, comprei alguns títulos indicados nas referências bibliográficas da faculdade – aliás, eu fazia lista de todos os livros que os professores passavam, prometendo que, quando eu terminasse o curso, compraria todos. Afinal, fazendo faculdade à noite e trabalhando para custeá-la, eu tinha que ser bastante criteriosa na compra de livros. Ainda bem que não comprei todos. Quem disse que nas ementas universitárias encontramos sempre os livros que realmente valem a pena ser lidos?
E os livros foram se avolumando na minha casa. Sim, vinte a trinta títulos na época pareciam o que chamam hoje de ostentação. Precisei de um móvel para guardar aqueles bens preciosos. Minha primeira estante foi um móvel antigo, que servia de bar. Sim, daqueles em que se guardavam as garrafas de bebidas alcoólicas, cheio de espelhos dentro, com chave e tudo. Meus livros ali enfileirados nas duas prateleiras ficaram lindos. E quando eu queria ficar inebriada, era só abrir a porta e escolher, pedindo ao Baco dos livros que me deixasse bêbada de leitura.
Realmente o Cupido me acertou em cheio desde cedo, pois meu caso com os livros é de amor eterno.
Hoje, professora e escritora, meu sonho é que outros também possam voar para perto do sol, mas não com asas de Ícaro, que logo vão derreter e derrubá-los. Desejo que voem com asas mais fortes que só a leitura proporciona. Que voem com as asas da imaginação.