As perguntas do meu irmão

Quando o meu irmão era criança, deixava os adultos sem reposta diante de suas perguntas incisivas e complicadas. Ele queria sempre saber o porquê das coisas e cada resposta conduzia a uma nova pergunta. Papai ficava num beco sem saída, tentando esclarecer as suas dúvidas. Muitas vezes não conseguia, por mais que tentasse encontrá-las. Parece que meu irmão gostava de passear pelo complicado mundo da filosofia e da religião. Não sei por que esses temas tão adultos o atraíam tanto. Eram perguntas que às vezes nem tinham razão de ser se fossem pensadas dentro do mundo real. Elas habitavam ao mundo da imaginação, ancoradas no mundo físico. Meu pai era autodidata, mas os livros forneceram a ele um conhecimento tão fabuloso que não sei como tudo aquilo cabia dentro do seu cérebro.

Eu ficava ouvindo tudo e bem caladinha. Não sei qual era o motivo de eu não fazer perguntas também. Talvez por ver o meu irmão com aquelas perguntas sábias, eu me sentisse uma inteira bobinha. E acho que era mesmo. Depois que cresci um pouco foi que comecei a pensar. Acho que meu irmão já nasceu pensando.

Até à quarta série não frequentamos escola por causa da incompatibilidade de horários, pois morávamos na fazenda. Papai contratou uma professora para dar duas horas de aulas diárias para nós. Vínhamos na caminhonete que trazia o leite e tínhamos a aula. Assim que ela terminava, voltávamos para a fazenda. Muitas vezes o motorista ficava aguardando e, assim que entrávamos na caminhonete, ele costumava brincar conosco, repetindo alguma coisa que a professora havia falado. E dava gostosas risadas. Nós também ríamos muito por ver que ele havia prestado atenção na aula que havíamos tido.

Até hoje quando me encontro casualmente com a minha querida professora da 4ª série, ela fala que desistiu de dar aulas para nós porque percebeu que meu irmão sabia mais que ela. E fala com tanta seriedade que chego até a achar que é verdade. Ela diz: “Eu ficava apertada sem saber como responder as perguntas do seu irmão”.

Um dia, estávamos ouvindo a missa com os nossos pais e a igreja se encontrava repleta. Ao chegar a hora da comunhão, as hóstias não foram suficientes e o padre começou a parti-las para que ninguém ficasse sem recebê-las. Meu irmão observava aquilo com muita atenção. Assim que chegamos a casa, ele falou com nosso pai:

— Se Jesus está presente na hóstia consagrada como o padre partiu a hóstia daquele jeito?

Papai explicou a ele que o padre podia fazer isso, mas o meu irmão achava que as pessoas teriam que recebê-la inteira. Por mais que papai afirmasse que Jesus estava em qualquer pedaço da hóstia, não adiantava. Ele tinha sempre muito argumento e não era qualquer explicação que o convencia. Sem saber o que falar, papai ficou pensativo. De repente, seus olhos se fixaram no espelho do quarto e ele disse:

— Está vendo aquele espelho ali?

— Estou!

— Olhe-se bem nele. O que você está vendo?

— Estou me vendo – meu irmão respondeu.

— Espere um pouco agora – acabou de falar e saiu. Voltou com um pedaço de espelho e disse:

— Agora, olhe-se neste pedaço de espelho!

Meu irmão pegou o espelho e fez o que papai estava falando e ele perguntou:

— Você vê só um pedaço do seu rosto?

— Não, estou vendo o meu rosto inteiro.

— Pois é, meu filho! Se eu quebrar este espelho em pedaços menores ainda, você vai continuar a ver o seu rosto inteiro. É exatamente isso o que acontece quando o padre parte a hóstia. Em todos os pedaços dela, Jesus se encontra.

Após essa explicação, meu irmão ficou pensativo e se aquietou.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 24/10/2014
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