Lembranças fúnebres: o espetáculo da vida

Visita ao velório e acompanhamento de funerais sempre soaram como empecilho à minha pessoa. Ao longo da vida fui avesso às visitas fúnebres, ou seja, o encontro com amigos e parentes num velório.

Conheci diversas pessoas que deliravam quando sabiam do falecimento de alguém, pois era um momento importante onde encontrariam amigos, comeriam as eternas e dormidas bolachas e, também, o café que retira o sono de qualquer alma. O velório em dia de morte é o local preterido pelos políticos, principalmente aqueles em que a população mais carente se aglomera ou em caso do falecimento de um líder comunitário. São diversos políticos que surgem sejam eles oposição ou situação. Não usam o imponente terno, que em momentos solenes alivia a ignorância, preferem ficar ao natural, como o restante ou maioria da população. Apertam às mãos de todos, beijam todas as mulheres do local, independente de etnia, religião, time de futebol, conta bancária, partido político etc. Tudo vale em prol do voto pedido latentemente.

Interessante, também, é o número de cachorros que comparecem ao velório em dia de morto. Alguns preferem ausentar-se da multidão e se acomodarem em baixo do caixão do defunto. Há aqueles que lhe perseguem com o olhar de miséria, esperando cair uma migalha da bolacha que você mastiga. Outros aproveitam para encontrarem um dono que lhe dê carinho, amor e alimentação.

Nesses funerais fico a observar o comportamento das pessoas: tem aquele senhor que conversa sozinho, diziam meus avós que seu diálogo é tratado com o espírito do falecido; tem aquele que não se cansa de arrumar às mãos e as flores do morto; há a mulher que a todo momento quer rezar o terço; o homem que simplesmente vem ao funeral para levar o caixão; outros que ali estão por curiosidade, ou seja, para contar aos vizinhos quem faleceu. Tem a dona da funerária que a todo instante dá os sinais para o falecido ser sepultado, pois na porta há mais corpos anseando pelo seu velório, temos que entender: ela ganha por mortos (?). A lista é enorme: tem o bebedor de café, o mendigo que aproveita a ocasião para ganhar alguns trocos, o bêbado que jura conhecer o falecido, o pipoqueiro, o tio da raspadinha em dias de calor, o vendedor de pé-de-moleque, microempresários que possuem bares defronte ao velório e acabam ganhando muito dinheiro em dias de sepultamento devido a ingestão abusiva de bebidas alcóolicas. Pode?

A vida é uma passagem e o lamento só nos faz declinar. A vida é o eterno retorno e devemos encarar a morte como um dos momentos do ensaio da vida, pois ela, a vida, é o único e definitivo ensaio. A morte não é fúnebre, faz parte do espetáculo apresentado pela vida. The End!

Sergio Santanna
Enviado por Sergio Santanna em 25/05/2007
Código do texto: T500874
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