Andanças pela Rua da Palma
Numa manhã de sábado fui receber umas lentes novas para os meus óculos e como tinha que esperar uma hora e meia para que as lentes fossem instaladas na armação, fui perambular pelas ruas do centro do Recife.
Saí da Praça Maciel Pinheiro em direção da Rua da Imperatriz. Muitas lojas novas, cujos vendedores disputavam os clientes no grito.
Locutores faziam a propaganda da sua loja através de megafones.
No final da rua, ainda existe a Livraria Imperatriz, cujos proprietários eram judeus. Está pior do que há 30 anos atrás. Lembrei que a floricultura na margem do Rio está o mesmo lugar.
Atravessei a ponte metálica que separa a Rua da Imperatriz da Rua Nova. Como sempre, pedintes estendendo a mão na direção dos transeuntes implorando dinheiro para comprar um pão. Cenas deprimentes. Lembro da minha infância, um homem que ficava pedindo esmolas e que tinha um aspecto de quem havia sido todo queimado, e segundo diziam, ele havia se queimado num tacho de usina de açúcar.
No centro do Recife há uma aplicação financeira sem igual no mundo inteiro. Os vendedores da cartela da zona azul compram a cartela por um real e a vendem por dois. Negócio melhor do que esse, não há.
Na tentativa de comprar um talão de cartelas da zona azul diretamente na fonte e evitar os atravessadores, cheguei à Rua da Palma, rua essa que me traz muitas recordações da infância e adolescência.
Ali existiam a Mesbla, Viana Leal, (onde foi instalada a primeira escada rolante do nordeste e onde hoje ainda existe o nome da empresa na parede do edifício com azulejos azuis), Casa da Borracha, Rei dos parafusos e tantas outras como Leon Guedes Correa, da igreja batista, amigo de papai e que vendia eletro domésticos. Em algum momento, papai teve um escritório de contabilidade no primeiro andar daquele edifício. Vi também uma esquina onde funcionava o Banco do Povo, aonde papai ia frequentemente fazer empréstimos (chamados de papagaio), para capital de giro para sua empresa comercial.
Finalmente, cheguei em frente de onde foi o número 432, que era o endereço da empresa de papai. Daquele pequeno prédio, ele tirou o sustento para nos educar em bons colégios particulares do Recife, o que possibilitou a conclusão do nível superior de todos os filhos. O endereço telegráfico era OLIEL e o primeiro telefone foi 7923, isso mesmo, só os quatro dígitos.
Lembrei-me ali de sua equipe: Pio, Yaponira, Rodrigues, Milton de Campina Grande, Aldo, Antonio, Valdomiro, Noemia, Eunice, Julinha entre outros. Durante algum tempo tanto eu como meu irmão mais velho, Alfran, também trabalhamos um expediente nas férias escolares.
No trecho da rua onde existiu aquela empresa da família, existem hoje bem em frente, dois motéis no primeiro andar de dois edifícios.
Vieram à minha memória cenas de quando papai fechava a loja aos sábados ao meio dia e saia no seu carro para um posto de gasolina na Rua da Concórdia para abastecer o mesmo. Uma cena que ficou gravada na minha memória foi uma ocasião em que no final do expediente dois jovens de rua começaram uma briga e um deles quebrou uma garrafa e partiu com o gargalo na mão para matar o outro. Rapidamente aparecer um senhor e com voz firme e autoritária mandou que o rapaz largasse a garrafa de vidro e eles pararam a briga.
Próximo à Rua da Palma, havia um caldo de cana onde papai nos levava para o lanche da tarde. Ali tomávamos caldo de cana com algumas gotas de suco de limão. Por ali também aprendi a tomar chá mate, que no inicio achava com um gosto muito ruim e depois me acostumei até que virei consumidor do Dunga Mate da Rua Nova.
Havia no final da Rua da Palma um prédio muito simples que abrigava a Primeira Igreja Presbiteriana do Recife, hoje localizada na Rua das Pernambucanas.
Certa ocasião, papai trocou idéias com Pio para fazer uma propaganda sobre a especialidade da empresa que era peças para Chevrolet. Pio num excesso de honestidade escreveu “temos quase tudo para o seu Chevrolet”. Na linguagem dos marqueteiros de hoje diria que temos tudo ...
Aproveitei o passeio e fiz uma turnê na frente dos antigos cinemas, que hoje deram lugar a lojas: Moderno, cujo ar condicionado era tão gelado, que era sentido por quem passava na calçada, Art Palácio e Trianon. No entorno desses últimos, os prédios estão bastante estragados, com uma fedentina de urina horrível nas suas calçadas.
Ao lado da Praça Joaquim Nabuco ainda existe o Restaurante Leite, um dos mais tradicionais da cidade, fundado em 1882.
Voltei para casa pensando que hoje aprendi mais uma lição. Lembrei-me daquele ditado: Se a vida lhe der um limão, faça dele uma limonada. Ao invés de reclamar porque ficaria uma hora e quinze minutos esperando pela montagem dos óculos, aproveitei para fazer uma viagem no tempo – anos 60 e 70, que foi de grande valia para a minha vida.