CHUTANDO BOLA DE PULMÃO DE TAMBAQUI
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Correndo e chutando uma bola feita com o pulmão de tambaqui, corríamos pelo terreno de barro, com calções de sacos de açúcar virados do lado avesso, caprichosamente costurados pela nossa mãe Josefa Costa, em sua sexagenária máquina Singer, imaginando que poderíamos ser astros de futebol no futuro. O processo para produzir bola de pulmão de tambaqui era difícil: o peixe tinha que ser grande, de 30 quilos ou mais - o que era comum até o final dos anos 70, nos rios e lagos da comunidade do Varre-Vento. Nosso pai Paulo Costa tinha que tratá-lo assim que chegasse do lago ou rio, não furar o pulmão. Depois, como se fosse – e era mesmo, a coisa mais importante de nossas vidas, o deixávamos para secar ao sol para endurecer e depois começávamos a correr atrás da “bola de pulmão” de tambaqui. Usávamos sandálias havaianas, que retornavam quebradas, o que não era problema, se houvesse um botão ou um prego para colocamos embaixo dela. Os tambaquis pescados no lago tinham a escama preta; os do rio, claras, mas isso era raríssimo! Também não sei a razão dessa mudança na cor da escama! Os dois eram iguais no gosto e na barriga.
Quando meu pai saía para “ver as malhadeiras” no lago aos fundos de nossa casa, o esperávamos chegar de sua tarefa quase que diária, mas era inútil porque nem sempre o pai pegava algum atalho e surgia pelo Rio Solimões, com a canoa cheia de peixes. Se viesse tambaqui grande, pedíamos ao pai Paulo Costa tratar os peixes, mas não furasse o pulmão. Naquela época, a primeira coisa que o pescador fazia ao tratar os tambaquis grandes era furar o pulmão porque facilitaria retirar o resto do bucho, com o qual minha mãe fazia um gostoso sarapatel, usando inclusive as guelras. Era comum isso acontecer logo que se abria o tambaqui,, mas pedíamos que não cumprisse a tradição e nosso pai sempre nos atendia. Acho que ele gostava de nos ver correndo e chutando o pulmão do tambaqui seco, como abestalhados sonhando que poderíamos ser jogadores de futebol, mas todos preferiram seguir os estudos. Meus pais, analfabetos funcionais, conseguiu cumprir sua missão de vida: viu vários de seus filhos formados na Faculdade e alguns professores nas áreas em que se formaram, como meu irmão Paulo Costa, que é professor de contabilidade na Faculdade Ciesa, onde se formou e se pós-graduou, com méritos.
Na hora de tratar o peixe, Paulo Costa ficava rodeado pelos filhos. Era uma alegria enorme quando ele tirava o pulmão, sem danificá-lo porque o colocávamos logo no sol e esperávamos secar e endurecer. Depois, o transformávamos em bola e corríamos pela poeira do lado da casa, descalços ou com sandálias havaianas, que sempre quebravam, mas colocávamos um botão costurado por baixo do solado ou, quando não existia botão para esse luxo, prego ou um arame serviria para a mesma finalidade. O importante era brincar de bola e a única que tínhamos era a feita de pulmão de tambaqui. Nem sempre o pulmão durava muitos chutes e nem sempre conseguíamos direcionar a “bola” rumo ao gol, mas isso pouco importava. Éramos felizes!
De tanto brincar de bola, quebrava muito minha havaiana e chegava ao ponto de não ter mais como remendá-la em suas correias. Mesmo assim, continuava usando, até o solado se desgastar todo e pedia a meu pai para comprar outro, quando tivesse dinheiro. O terreno ao lado da casa que servia para nossas brincadeiras era cheia de árvores, mas as driblávamos também. O importante era brincar. Se chovia, brincávamos na chuva e não tinhamos medo. Eu era apenas um menino de 7 anos correndo atrás de uma bola de pulmão de tambaqui, imaginando-a como se fosse uma de couro, que não sabia nem que existia.
Da casa do pai à casa vovô Raimundo, tínhamos que passar no meio do cacual nativo onde existia um cemitério, cheio de cruzes. Ficava logo no início, mas não sabíamos quem tinham sido sepultados e como tinham vivido e nem quem eram. Tínhamos medo de passar por ele para tomar a bênção do vovô e da vovó Lucila. Dividindo o local, ao final do cacual quente e úmido, mas sem sol, existia um igarapé, as vezes com água, na época de cheia e tínhamos que passar por cima de uma tora de madeira ou um sepo, como se dizia. Chegávamos sempre suados. Meu avô possuía uma plantação de fumo e eu recolhia suas folhas, que eram levadas ao sol, secadas e serviam para fumo-de-corda. Apanhar e comer cacau do pé era nossa diversão preferida ou levá-lo para casa para a nossa mãe Josefa Costa fazer o de “vinho de cacau”, que nada mais era do que um suco feito com os caroços da fruta. Era gostoso tomá-lo. Ah, mas isso é outra história e eu conto depois!
Em Manaus, decidi brincar de bola na rua, não com as feitas de pulmão de tambaqui, mas também não eram duras e nem pesadas ou oficiais. Eram de plástico. Chutava-se para um lado e bola seguia para outro lado. Mas era gostoso, porque nos sentíamos livres e sem compromisso com nada. Mais tarde, decidi participar de um projeto social um de futebol no Dom Bosco, comandado pelo padre Bruno Bicnchini, de origem italiana. Jogava sempre no gol porque era muito ruim na linha. No Varre-Vento, apenas corria atrás da bola sem qualquer direção, mas em Manaus, tive que definir uma posição e era como goleiro. Não era dos melhores nem dos piores, mas gostava de agarrar pênaltis e defendi alguns. Ah, para isso eu era bom! Joguei futebol semi profissional, quebrei os dois braços agarrando pênaltis em uma “pelada” e parei com o futebol. Fiquei 45 dias com eles engessados, afinaram e decidi abandonar a carreira que certamente não teria sido promissora.
Tentei voltar, mas não tinha mais a mesma confiança e encerrei a carreira jogando futebol de salão no gol pela Loja Capri, e outras lojas que me pagassem, no campeonato dos comerciários realizado pelo Serviço Social do Comércio – SESC. Nesse campeonato, jogando por outro time, reencontei Paulo “Tinga”, hoje formado em educação física e, na última vez que nos encontramos jogando futebol de salão no Condomínio Florença Residencial Park, disse-me que era Coordenador de Esportes do Sesi. Do período de Dom Bosco, lembro-me com saudades de nomes amigos que fiz como o adulto Pedro Campos Inauhini, funcionário do Banco do Brasil, os irmãos adolescentes Mirtinho Fernandes, hoje procurador de Justiça e João Fernandes, já falecido, o adolescente Jorge Lopes da Silva, hoje vigilante em indústria em Manaus, o adulto Zezinho (hoje técnico de futebol de base do Fast Club em Manaus), que parecia coordenar alguma coisa no projeto com Pedro Campos. Talvez fosse de esportes mas não tenho certeza. Também frequentavam o Dom Bosco, os adolescentes como eu, o hoje advogado e escritor Francisco Nicácio da Silva, chefe de gabinete do deputado federal não reeleito, Carlos Souza, que convidou a mim para ser Chefe de Gabinete e coordenar o escritório político do parlamentar em Manaus, por mais de 4 anos, Raimundo Picanço, “o Raimundão”, que trabalhava nos Correios, o professor Alfredo Rocha. O professor Alfredo reencontrei recentemente em uma carreata em favor do deputado estadual reeleito Sinésio Campos. Frequentava também o adolescente e hoje policial civil Otílio e muitos outros que o tempo me fez esquecer e memória me fez apagar!
Mas o que lembro com saudades é de nossa época de jogador correndo atrás da bola de pulmão de tambaqui. Ah, isso era divino!