Domingo

Bate no portão. Abrem. Quer falar com uma prima que mora ali. Mandam chamá-la. Chega. Abraça o primo que há anos não vê. Está acompanhado da esposa. É uma morena simpática, mas coadjuvante entre os primos. Sobem as escadas de concreto nu. Entram na casa alugada e, timidamente, cumprimentam os presentes. Foram criados no nordeste deste Brasil, vieram para cá em busca de trabalho. Ele está bem. Quer saber como estava a prima. Estava bem também. Aos poucos vão soltando-se e os assuntos vão surgindo. Sua mãe não estava em casa, pois fora a um sítio com o pai, passar um final de semana. Estava com câncer, havia raspado a cabeça. Não sabia de nada disso, sempre que ligava, diziam que estava tudo bem com a tia. Morava numa casa que havia comprado a pouco. Aluguel: nunca mais. A prima fica olhando-o, ali sentado com a mulher do lado, nem parece aquele moleque que corria descalço nas terras quentes de Pernambuco. Biliu tinha vindo para São Paulo também. Estava na rua outro dia e alguém atravessou a avenida, correndo e gritando seu nome de infância. Quando virou-se não reconheceu o amigo depois de tantos anos, com o uniforme cinza cobrindo corpo inteiro, num calor daquele, suava como um cuscuz. Aos poucos foi reconhecendo-o. Trabalhava ali em frente de zelador, ganhava até bem. Que coisa estranha, que mundo pequeno, meu Deus! A prima estava desempregada. Ficava em casa cuidando da mãe adoentada, de vez em quando surgia uma faxina. Fazia e voltava. Chega um pouco de café. Não quer pão, nem bolacha. Obrigado. Meca morrera. Que desgraça! Mas também, só vivia bebendo e arrumando briga com os outros. Que sina: vir de tão longe pra morrer atropelado como um sem-nada. A mulher ficou sozinha com a filha, disse que vai voltar, vai morar com a mãe. A menina é a cara dele. A esposa calada. Esse negócio de aluguel é uma desgraça, é um dinheiro que vai e não volta mais. Tinha comprado um terreno, só faltava construir, comprou em Pernambuco, quem consegue comprar alguma coisa pagando aluguel. Ele não! Na primeira chance que tivera, comprara sua casinha. Não era lá essas coisas, mas pelo menos era sua. Dois cômodos e um quintalzinho. Ano que vem vai ver se compra um carro, tirar férias e ir pra terrinha. Vai ficar um mês lá. Vai de ônibus, não: de avião. Olhavam para o chão nos intervalos da prosa, enchiam a boca de café puro, num sol quente daquele. Tem que ir embora. Ouve que está cedo. Depois volta com mais tempo, agora que sabe onde é. Despede-se de todos, dá um abraço sem graça na prima descem a escada. O ponto mais perto fica ali. Quando mainha chegar aviso que você teve aqui.

Adriano Paulo
Enviado por Adriano Paulo em 20/10/2014
Reeditado em 21/10/2014
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