O himenóptero

Vamos falar sério: ele era um marimbondo. Em seus primeiros dias de vida, um marimbondinho. Mas ele já estava lá, agitando as suas asas membranosas, debatendo-se contra os vidros na face interior da janela. Ele queria sair. Era dia e a luz o chamava (que luz é essa que nos chama, sim, a nós também, por que procuramos incansavelmente, que nos instiga a alcançá-la e que nos devora?).

Fiquei a observá-lo, mas a mágica do meu tempo é diferente da do seu. Um minuto de desespero é nada àquele que observa e uma eternidade ao desesperado. Com efeito, era dura a sua agonia - uma dor vitrificada - e ele buscava a liberdade.

Um girar de maçaneta - uma chave cósmica -, um leve empurrãozinho com uma das mãos a facilitar-lhe a fuga e pronto. Lá foi ele. Livre! Ainda pude percebê-lo a mergulhar no mundo, a vibrar com todas as forças o seu recurso frágil, traçar espirais sem rumo na ânsia de conhecer a vida.

Acontece que a liberdade de um será sempre o encarcerar-se do outro. Ao retornar as abas da janela tranquei-me de volta, e então fiquei a esperar por uma chave reveladora - a maçaneta universal de uma janela para o mundo -, por uma cósmica palma de mão que me deslizasse no vidro embaciado da vida e me lançasse em libertárias espirais.

Mas que palma de mão seria essa que para libertar-me se encarceraria?