O APAGÃO

Sempre tive curiosidade de saber como é estar morto. Qual deve ser a sensação de não viver mais, se é que o morto sente, ou melhor, deixa de sentir(já que se está morto).

Quando mais jovem pensava que se deitava uma pessoa passando mal no chão para que ela fosse se acostumando com a morte.

Uma vez tentei visualizar-me morto. Deitei-me no chão nú (o chão, e não eu) e mentalizei. Me vi no caixão coberto de flores, sendo empurrado naqueles carrinhos da funerária, em um cortejo de mais de 1000 pessoas. Eu aumentei o numero de conhecidos, pois não gostaria de ser conduzido até a "cidade de pés juntos" empurrado pelo condutor da carrocinha e tendo como acompanhante apenas minha gatinha pompom, amarrada(uma vez que gatos não estão nem aí pra os seus donos)na carrocinha.

O interessante é que nessa aventura eu consegui me ver só de fora, como se não fosse o meu funeral.

Perguntei a várias pessoas como seria estar morto, e todos me responderam que quando chegar a morte, ficaria tudo escuro.

Na última quinta-feira, estava eu tomando ar na varanda, quando ficou tudo escuro.

Então é assim, pensei eu. Resolvi deitar-me no chão pra ir me acostumando. Fazia frio(me avisaram que sentiria frio), quando o cachorro do meu vizinho correu atrás da minha gatinha pompom.

Se eu estivesse vivo, não permitiria que esse pulguento agredisse a minha pompom, pensei.

Senti um formigamento nos lábios. Eram as formigas que estavam caminhando na minha boca. Devia estar em adiantado estado de putrefação, pensei com os meus botões.

Mas me lembrei que tinha comido uma cocada algumas horas antes, e não tinha lavado a boca.

Muito tempo depois visualizei uma luz,(disseram que eu viria uma luz) que pouco a pouco se tornava nítida. eu abri os olhos. Mas vi que a luz era a lâmpada da minha varanda que estava sobre mim, no teto. Eu olhei para os lados e estava tudo claro outra vez. Percebi então que o que ocorreu não foi minha morte, mas sim um apagão.