O DESENHO DE NOSSOS TEMPOS
A palavra inglesa design significa desenho. Desenho e design tem o mesmo radical de desígnio, que significa também destino. Basicamente é tudo a mesma coisa. Como se nossa trajetória nesse mundo fizesse um desenho que a gente vai traçando – o que é minha opção interpretativa, ao invés de crer que alguém superior desenhou nossas vidas, negando-nos opção estética, o que seria muito cruel. Então, sim, prefiro acreditar que vamos desenhando a vida pelo mundo. E nossas vidas são obras de arte coletiva, penso.
Hoje pela manhã, ainda na cama vendo TV, me ative uns instantes a um programa onde lojas de automóvel de São Paulo exibiam os novos modelos. Cheguei a uma conclusão sobre algo que eu já vinha observando, que é o fato de os carros atuais estarem todos de cara feia. Isso mesmo. As frentes de quase todos eles tem um aspecto sisudo. Se fossem colocados em um desenho animado desses com carros que falam, eles seriam todos vilões. É um aspecto bruto, demasiadamente antipático e masculino. Então eu fiquei pensando o que isso nos quer comunicar. O que isso pode estar nos dizendo sobre a nossa época? Como nosso tempo está atuando sobre as mentes dos designers de hoje?
Eu nunca vi uma época tão mal encarada. Olhemos os anos 50 e 60 do século passado. Pensemos naquela moda, naquele cinema, naquela arte, naqueles carros. Os anos 70 idem: olhe o design de uma Variant, de uma Kombi, o Fusca, ou mesmo as picapes ou carros executivos, como o Galaxy. Com os anos oitenta não foi diferente, ainda que as formas tenham ficado quadradas: as estradas eram mais simpáticas, sem sombra de dúvida. Agora o panorama é outro. Até os modelos que eram simpáticos foram remodelados antipaticamente. E penso se essa cara feia dos carros novos é proposital ou inevitável, como sintoma dos tempos. Pois me parece uma época de ressaca; de entressafra. A arte... a música, por exemplo. Não dá pra descrever a música de hoje. Ao contrário dos carros, ela está sem cara. A literatura, provavelmente idem. O cinema passa por um recesso criativo como nunca presenciado. E os carros? O que eles – objetos máximos do desejo no mundo capitalista – querem dizer com essa antipatia e jeito de poucos amigos? Querem dizer “vejam como sou forte, viril e mau”? Estar na estrada junto a esse pessoal causa sensações. Se falasse, o que diria minha Parati velha dando passagem a um desses mal encarados? Talvez ela se sinta como uma Dilma num debate, tendo que encarar a cara dura, viril e má do Aécio Neves com seus olhos esbugalhados. Prefiro pensar que no mundo das estradas – que é um mundo real e cheio de mensagem verdadeiras, porém subliminares, a serem decodificadas – não se possa aplicar um ditado como “diga-me em que carro andas e eu direi quem és”. Pois se assim o for, temos motivos de muita preocupação. Pessoas revestidas de armaduras de aço já não é algo que se possa imediatamente associar à felicidade e à alegria de viver. E quando tais armaduras tem um aspecto assustador? O que podemos esperar disso?