Pequena crônica de uma tribo pré-histórica no centro de Belo Horizonte
É janeiro de 2013. Na cidade de Belo Horizonte , em baixo de um viaduto, bem no centro da cidade, um grupo de homens das cavernas preparam seu almoço usando um fogão de pedras. Estão bem sujos. Não devem ter adquirido ainda o hábito de tomar banho e provavelmente não conhecem o uso de pentes para os cabelos. Suas roupas, que presumo ser de peles de animais estão bem desgastadas e sujas também. Três crianças estão nuas.
Os automóveis passam indiferentes. As pessoas passam indiferentes. Eu passo sem ser indiferente, mas não faz diferença porque não paro também; apenas olho duas vezes para trás para ver se a cena é realmente real ou fruto da minha imaginação. Não é. Acho também que você , meu caro leitor não iria parar estando a caminho do trabalho; é o instinto de sobrevivência; mas é só uma intuição e posso estar errado, não se zangue comigo; por favor.
De uma pequena parte do meu cérebro, onde a razão é dominante, ecoa uma pergunta: como eles vieram parar ali? Cinco mil anos separam o pequeno grupo do resto da cidade; do mundo. A pergunta não encontra resposta.
Uma tristeza me invade a alma. Paro minha caminhada instintiva e fingindo usar um telefone público examino de longe a tribo. Aquele grupo parece que está precisando de ajuda. Sinto vontade de ir até eles e tentar me comunicar. Perguntar se estão precisando de alguma coisa. Seria possível? Qual seria a língua deles? Será que eles possuem alguma escrita?
Então faço uma grande descoberta: o grupo já fez contato com alguém ou com algumas pessoas da cidade, pois, olhando com muito cuidado, com muito cuidado, percebo que o que eles estão vestindo não são peles de animais e sim roupas de humanos bem esfarrapadas e que há em cima do fogão de pedras algumas latas que somente foram criadas provavelmente a partir do século XVIII. Observo também, que pelo comportamento deles, eles já conseguiram algumas garrafas de aguardente.
Então sigo o caminho para o trabalho. A tristeza vai se misturando com o barulho dos automóveis, com o vozerio da multidão, com o grito dos vendedores ambulantes e se aloja nas células de todo o meu corpo; penso então no meu filho, na minha mulher e apesar da dor que me dilacera o coração, consigo bater pontualmente o meu cartão de ponto.