RACIONAMENTO, BANHO E CHINELADA.

Quando criança eu não gostava de tomar banho. Minha vida era correr atrás de uma bola e andar de bicicleta feito um maluco. Quando chegava em casa, minha mãe gritava:

Nego, seu encardido, passa já pro banheiro!

Eu, astuto, frio e calculista, dava uma volta, fingia pegar a toalha e de uma forma majestosa enrolava a veia. Então lá ia eu novamente para o quintal confiando no ligeiro esquecimento de minha mãe.

O Marcos, não o garoto do “taca le pau”, mas sim o Marcos, meu irmão, quatro anos mais velho que eu, esperava me aproximar de nossa mãe e dizia assim em um tom bom e com bastante sarcasmo:

- Nego, meu preto, vá tomar banho, a mãe vai bater em você.

Nesse momento ela se lembrava de que havia me mandado tomar o maldito banho há mais de 40 minutos e eu, sequer, tinha dado o ar da graça para o Lorenzetti.

Você já deve imaginar o que acontecia: as chineladas eram inevitáveis. Então lá ia eu para o banheiro, triste e abatido: ligava o chuveiro, molhava o corpo e gritava: “acabei!” O macuco ficava na toalha, evidentemente. E aí, mais chineladas. Enfim, cresci. Hoje já não tenho mais habilidade para jogar bola e a última vez que andei de bicicleta foi há 9 anos.

As chineladas me ensinaram que macuco se tira com água e sabão e não com toalha, mas ontem tive que reviver minha infância. Sabe por quê? Porque no bairro onde moro está sem água desde ontem à tarde, e isso pegou todos de surpresa. Não é nada legal ter de escovar os dentes com água da geladeira.

Vendo essa situação precária pela falta de água em São Paulo, acredito que muita gente mereceria levar umas chineladas de minha mãe, inclusive, alguns governantes.

Eder Tofanelli
Enviado por Eder Tofanelli em 16/10/2014
Reeditado em 20/10/2014
Código do texto: T5000999
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