Diário de um Professor - sair de casa, olhar para o sol e... nem amanheceu ainda.

5h. Da manhã.

Acordo. Na verdade, tento acordar. Enquanto muitos trabalhadores “normais” estão dormindo, já estou de pé. Ou tento estar. Nesse momento, o consumo de café deve agir de maneira decisiva sobre meu corpo de modo a retificar minha coluna, abrir meus olhos e mais um monte de cosias que meu sono não me permite imaginar. Assim como Bombril, mil e uma utilidades. Uma metáfora sobre uma metonímia, uau.

Até as 5:50, horário em que saio de casa, divido meu tempo entre algumas necessidades básicas e continuar preparando aula e corrigindo alguns materiais dos alunos. Confesso que já fiz anotações sobre possíveis temas de aulas em guardanapos, mas nunca limpei a boca nem outros lugares com provas. Ainda bem.

Saio de casa e me irrito com a demora do primeiro ônibus que pego com destino ao trabalho. Um tema de redação vem à cabeça: o problema do transporte público nas grandes cidades. Opa, lá vem o bus, lotado, mas pelo menos consigo um lugar.

Salto cerca de dez minutos depois para tomar o segundo ônibus. Corro um pouco, pois o bendito já está no ponto. Por não ser professor de educação física, meu preparo físico não é dos melhores. Além disso, o peso de redações e provas em minha mochila faz com que minha corrida seja praticamente em câmera lenta.

6:05

Embora minha coordenação motora seja das piores, faço alguns malabarismos no ônibus. Ao contrários dos meninos que fazem isso nos sinais, não busco dinheiro, apesar de que uma renda extra seria muito boa para um professor. Faço isso para corrigir mais algumas coisas mesmo ainda que o chacoalhar do veículo me atrapalhe bastante. Fica parecendo até que tenho Parkinson.

7h

Minha mão direita já guarda as marcas do início de um dia de trabalho: inúmeras manchas vermelhas oriundas da tinta da caneta, pareço até ensanguentado. Chego à escola e já escuto a primeira gracinha do dia por parte de um aluno

“não, você veio?”

Pois é,

(a) Ganhei na Mega-Sena e só vim para mandar você para aquele lugar.

(b) Hoje vim só para assistir às aulas, quero fazer vestibular de novo.

(c) Na verdade, morri, agora você vê gente morta.

O bendito não entende que é uma piada com múltipla-escolha.

Como chego em cima da hora, vou direto para a sala de aula. Mal entro e já vêm os pedidos para ir ao banheiro. Não pergunto se a motivação para tal é alguma animação com a minha chegada, mas não deixo de fazer algumas gracinhas, de novo.

(a) É bom evitar Activia antes de vir para a escola.

(b) Não pode ir e, se estiver com vontade de urinar, evite pensar em chafariz, bebedouro e chuva.

(c) Sim, pode, mas vá ao do terceiro andar, os outros estão interditados. Mentira que estão interditados. Mentira que existe terceiro andar na escola.

Consigo chegar até minha mesa e depois até o quadro após driblar pedidos, perguntas desnecessárias e caras de nojo. Começo a colocar a matéria do dia no quadro, só que mais perguntas surgem, é o meu vestibular de cada dia:

“ae, precisa copiar?”

Será que esse “ae” é sinônimo de professor?

Respondo:

(a) Não, pode levar o quadro para casa.

(b) Imagina, você é inteligente demais para isso.

(c) Não, só estou ostentando conteúdo.

(d) Não, só quero colocar cor nesse quadro, ele fica tão sem graça todo branco...

E os alunos de hoje em dia não entendem piadas, levam a sério até comentários do tipo. Agora sei por que vão mal em Língua Portuguesa no vestibular. Tento continuar a aula, mas agora surgem perguntas sobre a minha vida.

“Você só dá aula ou trabalha também?”

Como de costume, dou várias possibilidades de resposta:

(a) Pois é, aqui não é trabalho, dou aula por amor a vocês.

(b) Também sou ator pornô, afinal, no fim eles se f*** que nem os professores.

(c) Lógico que não falei a letra –B em sala.

(d) Sou um super-herói nas horas vagas, pode ver que aqui tenho tanta cara de idiota quanto Clark Kent e Peter Parker.

A piada não surte o efeito desejado, então sigo a aula. Durante uma explanação, um aluno levanta o dedo. Acho que ele vai fazer alguma pergunta ou colocação inteligente, chego a sorrir, mas...

“Vou ao banheiro, já é?”

Respondo que sim, e peço para que ele traga junto o grampeador a vácuo. Acho que o homem ainda não chegou a essa invenção, mas pelo menos essa criatura vai demorar muito para voltar do banheiro.

Alguns mexem no celular. Duvido que estejam procurando o que é um grampeador a vácuo ou mesmo que estejam pesquisando sobre a matéria do dia. Não tem como instalar na porta da sala um dispositivo que faça os celulares explodirem? Ao final do meu tempo, chega a ser engraçado quase dez alunos tirando foto do meu quadro. Acho que sei mais ou menos como uma celebridade se sente.

E, mais uma vez, continuo a saga de dar aula. Tento resolver questões de múltipla escola, mas uma piada pega um pouco mal.

Essa é letra –C de capeta ou –D de demônio?

Começa imediatamente uma discussão na sala de aula entre vários de seus elementos. Uns ficam perguntando se eu posso fazer esse tipo de brincadeira, outros cogitam o fato de eu ser ou não satanista, enquanto alguns falam qualquer coisa aleatória só para tumultuar mesmo. O sinal que anuncia o fim do tempo toca e todos perdem, curiosamente, o interesse pela polêmica levantada. Tento dar alguns avisos, orientações, mas dizem que minha aula já acabou.

2 tempos já passaram e situações bem parecidas ocorrerão ao longo do dia todo. Numa outra turma, uma sinfonia de espirros e tosses. Acho que peguei uns três vírus diferentes só ali dentro. Em outra, saio já sem voz e sem conseguir ouvir mais qualquer coisa. Mesmo assim, falo, rio e grito na sala de professores com meus semelhantes.

Espero ansiosamente pelo dia seguinte.

Feliz dia dos professores =)