Dias de criança
Em meados da década de 90, sem o Google, a melhor ferramenta de busca por informação era acessar uma larga porta de biblioteca, tal qual a Paulo Setúbal, em São Paulo. Lembro das bibliotecárias sexagenárias que me recepcionavam sempre com um largo semblante emburrado. Aquelas servidoras municipais datilografavam suas máquinas de escrever barulhentas como se martelassem com força minha diminuta cabeça de menino contra a parede. Elas pareciam fazer questão de, no atendimento, intimidar e causar medo. Assim, mantinham a ordem na sala de leitura.
Durante a minha infância, a integração maior com os amigos era na escola ou na rua. Nos dias sem aula ou sem poder sair de casa, o jeito era brincar sozinho. Nessas horas, o pensamento se apresentava como o único companheiro. E de mãos dadas com a imaginação, eu inventava que morava nas nuvens, no mais lindo castelo, e tinha inadiáveis compromissos nas estrelas. Assim, desordenava as coisas no céu, tamanha era a bagunça que supunha fazer.
Dias desses, disfarçadamente, bisbilhotei um tablet nas mãos de uma criança deste século XXI. Ela estava solitária, tal qual eu estava no quintal de casa nos tempos de menino. Compenetrada, tinha os olhos fixos na tela e isso fazia lembrar os meus, pueris, mirando o céu naqueles outros tempos. Os dedos da pequerrucha tinham o poder de determinar as coisas de forma mais concreta que a minha vontade. Antes, eu imaginava tocar o firmamento, o meu cenário de brincadeiras. Agora, ela ordenava as coisas no seu mundo de maneira touch.
Não cheguei a refletir se as coisas estão melhores ou piores para os pequenos atualmente. Acredito que estão apenas diferentes. Seja na época que for, todas as crianças vivem a indescritível situação de estar em uma realidade especial. Criam seu próprio mundo e o expressam de um modo único. Fico aguardando, ansiosamente, os futuros cronistas que, nos dias de hoje, estão brincando e comemorando seu dia 12 de outubro. Quantas histórias de seus dias de crianças eles devem ter para contar.