A ARTE NO LIXO

A ARTE NO LIXO

"... no sistema de valores dessa civilização de

sobrevivência compulsiva, o artista é irrelevante.

Êle é encarado como um mero decorador que

nos entretém enquanto trabalhamos. Como

menestrel itinerante, ator, palhaço ou poeta, êle

pode ir por toda parte porque ninguém o leva a sério."

ALAN WATTS

Quando deixamos de vender jornais, em 2003, eu e meu irmão gêmeo já vínhamos tendo prejuízos desde meados dos anos 90. A idéia de se vender jornais em padarias e mercadinhos -- se não foi minha -- seguiu iniciativa que criei em 1987, ao espalhar alguns poucos jornais nos vários pontos finais das linhas de ônibus do extenso bairro Cidade Nova, nos "botecos" que existiam nesses locais.

Desde o fracasso da fundação de um centro cultural, entre 1988 e 92, que pensávamos como REAPROVEITAR a imensidão de objetos, livros e utensílios domésticos que -- durante a venda diária dos jornais -- a gente encontrava pelas ruas ou que fregueses nos doavam prazeirosamente. Assim, trocamos sem hesitação uma "profissão de prejuízos" (definição minha) pela coleta de materiais, sem tempo nem hora, desde a madrugada, todos os dias, no maior número de ruas possível.

"Assim se passaram dez anos"... canta famoso bolero e, nesse período, a gente não se cansou de se espantar com a "criatividade", da maioria deles, que prefere quebrar e estragar aparelhos, rasgar livros e revistas, amassar jornais, CORTAR roupas, tênis e sapatos, a saber (ou ver) que algum desgraçado qualquer possa de alguma forma RECUPERAR qualquer objeto ou aparelho, ou mesmo revendê-lo com defeito, caso de ventiladores, TVs, liquidificadores, alto-falantes e muitas outras coisas mais.

Recente nota no FACEBOOK dava-nos ciência de uma festa em Ananindeua, em pleno agosto, mês de desgostos, para HOMENAGEAR políticos e empresários como... melhores do ano (?!), isso faltando quase 5 MESES para findar esse ano eleitoreiro. Escute aqui, sr. Alcindo, quem merece homenagens e aplausos são os comerciantes -- que recompram dos catadores desde colchões até "restos" de tinta, de latas a garrafas, de cadeiras a tapetes, etc -- e os FERRO-VELHOS, pois sustentam uma infinidade de desempregados e IDOSOS que, sem tal atividade, morreriam à mingua.

Apesar dos momentos desagradáveis "patrocinados" por pessoas de péssimo caráter (ou consciência), que misturam fezes de cães ou gatos às coisas que não querem ver RECICLADAS -- ou restos de comida deteriorada, o que é quase a mesma coisa -- temos breves momentos de raro prazer. Lembro de certa vez em que achei brochuras magníficas dos pintores da Renascença, caprichosamente rasgadas pelo meio! Colei-as página por página e doei as revistas para o multiartista PAULO BEZERRA, gênio ananin ainda por ser descoberto.

Nas sua loja-ateliê conheci Maciste Costa, de passagem pelo local. Hoje achei belo livro infantil dele NO LIXÃO do bairro, obra feita às próprias custas, sem esperar por Prefeito ou político. "A TAPERA" tem ilustrações e texto deste Artista, ambos cativantes e irrepreensíveis. A Amazônia, além de matas e águas, produz uma imensidão de talentos natos, que vivem E MORREM desconhecidos, enquanto só se fala de... Política !

"NATO" AZEVEDO (escritor e compositor) 13/out. 2014