Onde a vida realmente acontece...
Ontem no fim de tarde fui à praia com um casal de amigos e a filhinha de 2 anos. Era dia das crianças e qualquer evento na cidade estaria tão lotado que resolvemos buscar o sossego do mar. Escolhemos uma praia semi deserta e nos acomodamos nas cangas. A conversa foi fluindo em diversos assuntos; meditação, política, sociedade, psicoativos.
Dois homens se aproximaram e falaram qualquer coisa desimportante. Abri um sorriso e lhes desejei boa tarde. Depois eles sumiram e continuamos tranquilos. Uns vinte minutos depois apareceu outro homem, assim que nossos olhares cruzaram senti um frio na espinha. Ele parecia fingir falar ao celular, e nos observava sem se incomodar em disfarçar. Na mesma hora eu e meu amigo nos entreolhamos e começamos a nos organizar para partir. Para nossa surpresa os dois primeiros homens estavam sentados na escada que dá acesso ao calçadão, em silêncio, o tempo todo ouvindo a nossa conversa. O terceiro, ao celular, parecia planejar qualquer coisa negativa, estava meio impaciente, perdido. A energia carregada pairava no ar e sentimos medo. O carro estava perto e entramos rapidamente.
Nada aconteceu e um sentimento de proteção e agradecimento se apoderaram em nós. O tom da conversa era outro: os infinitos perigos do mundo. Ao nascer, a morte já caminha ao nosso lado, portanto somos todos vulneráveis. Onde e como encontrar a proteção? O amigo argumentava que qualquer ‘mal elemento’ que se aproximasse dele, ele fazia ‘cara de mau’, como forma de proteção. Falei que, ao contrário, quando sinto (da para ver tudo através dos olhos e gestos, somos todos transparentes!) algum mal intencionado rodeando, abro logo um sorriso e com todo o carinho do mundo, tento exprimir através de um olhar maternal, cumplicidade, compreensão, amor.
Dessa forma, já fui assaltada três vezes e em nenhuma delas, nada me aconteceu, nada perdi, nada sofri. Acredito também que muitas outras vezes a reação positiva tenha evitado a abordagem negativa.
O amigo parecia se indignar com minhas palavras. Disse que sentia ódio dos males do mundo e que se cruzasse com estuprador ou assassino, mataria. Falei calmamente que todos os mundos existem, os infernos e os paraísos estão na nossa consciência. Essas pessoas que matam e ferem é quem são as maiores vítimas, aprisionadas num negro véu de pensamentos. Elas precisam de amor, apenas. Somos todos responsáveis uns pelos outros, porque somos todos irmãos, parte de um todo mágico, onde tudo reverbera. Qualquer ação ou sentimento reflete e emana, em constante transformação. É preciso viver os sentimentos bons, para extravasar conforto às almas, para nos construir bem.
Ele ficava cada vez mais nervoso, falando alto, se justificando e se contradizendo. Permaneci serena. Falei para ele que esse ódio não anularia os infernos existentes, além do mais, era um sentimento cultivado por ele mesmo, causando chagas e doenças. Também já sofri muito pelas dores do mundo até entender que elas sempre existiram e sempre existirão. Fazem parte, embora nós escolhêssemos por onde transitar.
Foi a explosão. Ficou extremamente incomodado. Tentei tranquilizá-lo dizendo que não queria mudar a opinião dele. Cada um tem uma forma de enxergar o mundo, compartilhemos com respeito sem criar mal estar. Assim continuarei sorrindo, porque o mal do mundo não pode me atingir. Minha consciência está serena, meu coração inundado de amor. Sinto uma estranha comoção com o agressor, pois ele é ainda mais agredido, internamente, onde a vida realmente acontece.