A DERRUBADA DO GLOBO

Estávamos chegando no final das ferias de julho e, como era de costume, as noitadas de conversas fora no Jardim Jacaré com a turma de amigos e colegas, transformava-se em um dos programas mais deliciosos que tínhamos em Santa Maria da vitória.

O jardim Jacaré era uma espécie de tribuna, palcos, capítulos de romances, ou talvez até de novelas, tamanha era a quantidade de eventos que sempre aconteciam nesta praça famosa. Era a apoteose dos desfiles de sete de setembro. Foi nele que Clodomir Morais foi recepcionado e fez o seu discurso histórico para a nossa juventude. Ali muitos casais se enamoraram e montaram as suas famílias casando-se. Havia uma peculiaridade que reputo muita engraçada: Existiam casais que só namoravam em um determinado lugar do jardim, tanto no Jacaré como na Pracinha onde estava a estátua do primeiro remeiro que chegou a Santa Maria. Todos nós respeitávamos esses,"territórios demarcados" e sempre os deixávamos livres.

Ali na praça do réptil, como publicou em uma crônica, o Poeta Novais neto, fazíamos mesas redondas de futebol, filmes,da vida dos outros, rodas de anedotas, discussões politicas, discussões sobre notícias, além de nos encantarmos com o barulho sonoro das águas do Corrente, podendo ver as estrelas e a lua cortando o céu noturno da cidade.

Hoje a praça está modernizada. Nem a conheço. Só por fotos. está linda, moderna, glamorosa mas acredito eu que, embora fazendo parte da festa do centenário da cidade, o antigo Jacaré tem mais história, tem tradição, e não haverá versão nova que derrubará as páginas escritas na praça do Réptil.

Pois é. Foi em uma dessas noitadas das férias de julho, já no seu término, mais precisamente em uma sexta feira, no canto da praça que fica à frente do riacho, do lado esquerdo de quem vai para o mercado, oposto ao lado que beira o cais, bem de frente da casa de Belaísio que também é de esquina. Beirando o muro do riacho, do lado da ponte de acesso à rua de cima, havia uma banca de revistas que outrora pertenceu ao Palito( Palito era o antigo motorista do tenente Raimundo e por ser bem magro, ganhou este apelido) mas que naquele dia pertencia a um guarda de segurança do Banco do Brasil.

Nesta sexta feira à noite, o Jair, tio de Norma, esposa de Jairo, estava na banca conversando com o proprietário que era seu amigo. Jair também, se não estou enganado, foi guarda do BB, mas naquele momento era fiscal da prefeitura, e para a nossa infelicidade justo naquela sexta feira lá estava ele com o seu radar natural em forma.

Netão de tia Té,(Netão foi se despedir do Jacaé pois viajaria na madrugada de sábado para Brasília) e eu fomos para o jardim Jacaré e lá encontramos com o trio, Novais, Delvany e Antonio Rosinha e, cansados de darmos voltas pela praça, justamente ao passarmos em frente da casa do Belaísio, o banco da esquina estava vazio e resolvemos ficar por ali mesmo. Uns sentados no encosto, e o restante de pé e naquele momento começamos a contar piadas. De repente o estoque de piadas acabou e Delvany teve a boa ideia de ir até a banca e comprar uma revista de palavras cruzadas.

As procuras das palavras, das resposta a cinco mãos, estavam muito divertidas. Subitamente a luz do globo apagou e impossibilitou a continuidade do nosso passa tempo. (as luzes do jacaré de vez em quando apagavam e depois de muito sacudir o poste elas voltavam a acender. talvez por motivo de maus contatos elétricos ou pelo descanso normal das lâmpadas mercúrios e que nós por ignorância desconhecíamos.

Um a um de nós, tentou de todas as maneiras fazer com que a luz do poste voltasse a ser acesa.tentativas infrutíferas. Netão, forte( igual que nem um touro), pulou com tudo sobre o poste e a luz não acendeu. Mas o globo de acrílico soltou do seu suporte de sustentação e tomou a forma de uma rosa brochando. Olhamos meio de soslaio e alguém gritou: Vai cair! Foi o tempo de nos afastarmos e BUMMMMMMM. Todos ali do Jardim Jacaré ouviram o estrondo. Foi um barulho ensurdecedor!

O Jair veio, olhou o estrago, recolheu os cacos e os deixou em cima da grama do jardim, voltou para a banca, fez algumas anotações que passaram despercebidas por nós naquele momento. Saímos dali e fomos cantar em outra freguesia. Ou melhor. Em um outro local da Jacaré.

Na madrugada do sábado, Netão, juntamente com Tia Té, Hugo seu pai e Marta, viajaram para Brasília. O dia amanheceu e todos ali de casa foram para a feira e eu fiquei para molhar as plantas e tomar conta de Taizinha que estava dormindo.

O relógio marcava nove horas e quinze minutos. Eu estava sentado na cozinha ouvindo o moto rádio quando chegam ao janelão da casa onde eu morava na Rua Ruy Barbosa, Rosinha e Delvany dizendo: Temos que ir para a delegacia. O Delegado Sobreira tá chamando. Deixa de sugesta meninos! Falei. É verdade. Novais já está indo para lá. Foi ai que chegou Rosi, tio de Novais, meu colega de infância e de escola, naquele momento ela era PM. e confirmou com o pedaço de papel onde havia as anotações exaradas pelo Jair. Havia mais apelidos do que nomes: Rosinha, Buchecha, Joãozinho de dona Rosa, Adnil e um outro negão.

- Enquanto o pessoal não chegar da feira não saio de casa! Estou com um bebê dormindo e sou o responsável por ela até os pais chegarem. Falei.

-Tá O.K respondeu Rosi.

Buchecha e Rosinha disseram que só iriam quando eu fosse e logo chegou Novais que se juntou ao grupo entra na casa que eu morava convidados por mim e, assim que parte das pessoas chegam da feira o quarteto trapalhão segue para a delegacia da cidade que é localizada em frente do jardim Jacaré,coincidentemente, o local do evento do dia anterior.

Lá chegando, o Tenente Sobreira, então delegado, veio até nós e disse: Hoje estou resolvendo um caso terrível e estou louco para comer um fígado de alguém. Disse isso e voltou para a sua sala onde estava atendendo um caso complicado.

Ficamo no corredor que separa as celas da sala de delegado, telégrafo, escrivão etc......As pessoas passavam e cumprimentavam a gente. Havia uma grande leva de bananas maduras e verdes e Rosinha sugeriu, que com a fome que estava , uma bananinha madura seria uma boa pedida.

- Estas bananas são minhas e não são para festa! Um sujeitinho truculento, baixinho, que mais tarde ficamos sabendo que ele cumpria prisão por assassinato e, pelo bom comportamento, podia ir até a fazenda buscar frutas para fornecer às bancas de comerciantes.

O que mais nos deixou aperreados e com raiva, foi o Netim Bodeiro, então vice prefeito que passou, e da entrada da delegacia falou com o delegado: Ponha esses malandros arruaceiros na cadeia, Sobreira! Gritou

-É pode deixar, as próximas eleições virão por ai...Disse Novais resmungando em voz meio baixa.

Eu fiquei injuriado com o Netim Bodeiro. Ele conhecia Novais e eu desde a infância. Nos viu crescendo. Sabia que éramos amigos e colegas dos seus filhos e sobrinhos, principalmente do Paulo e da Regina, os seus filhos mais velhos. Pode até ser que ele falou brincando. Mas não entendemos que foi uma brincadeira. Levamos a sério!

Sendo inquiridos pelo Tenente Sobreira Novais, Delvany e Rosinha falaram que não deveriam pagar pelo globo, já que, quem de fato concluiu o ato que culminara com a queda do mesmo foi o Netão.

- Quem é este Netão.

-É o sobrinho de Tutes.

-Então chame ele aqui.

Fomos até a casa onde morava e pedimos a Tutes que fosse até a delegacia. Tutes conversou com o tenente Sobreira que conhecia Tutes e tinha bom relacionamento. O Tenente disse que o valor do era hum mil e trezentos cruzeiros. Aliás, foi por causa deste valor que a turma pediu arrego e tirou o corpo fora!

-Vou telefonar para o pai dele e ele mandará o dinheiro.

Fomos liberados mas o pior sobrou para mim. Ao chegar a casa onde eu morava vieram as broncas de vó Lindaura.

- Eu nunca pensei que eu fosse viver tanto para ver um filho meu passar por uma humilhação! Um filho meu indo a uma delegacia! Que irresponsabilidade de vocês seus descarados! A palavra "descarado" era uma marca registrada de Vó Lindaura. Jamais ela dava uma bronca sem usar esta palavra. Se não a usasse não seria uma bronca. Mas passou o episódio do globo. E tu hem Jair, uns dos maiores manguaças da cidade naquela noite em que deveria estar enchendo a cara, estava sóbrio, só para presenciar o fato e pegar a gente de jeito.

É o que há

Joãozinho de Dona Rosa
Enviado por Jota Kameral em 11/10/2014
Reeditado em 13/10/2014
Código do texto: T4995331
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