AQUELE DIA, AQUELE JOGO...

A preparação foi dura. Lembro como se fosse hoje. Um mês longe de casa, da mulher que há apenas seis meses havia recebido comigo as bênçãos divinas diante do altar, da casa nova e confortável, além dos amigos, mãe e irmãos sempre presentes.

Nem parece que aconteceu há exatamente um ano. Fechando os olhos, ainda escuto os gritos de incentivo do técnico, dos amigos e da torcida que assistia aos treinos quando era permitido. A musculatura ainda dói. Uma distração e parece que ainda estou em campo. Foi difícil, mas me esforcei ao máximo. De toda preparação o mais difícil foi me preparar para a ausência das pessoas amadas.

Lembro dos dias na concentração e de apenas duas folgas que tive. Tudo em função da final, do resultado da equipe e do reconhecimento de todos. Estávamos preparados e éramos capazes, apenas não sabíamos desligar o botão da apreensão e do nervosismo.

Assim, naquela manhã de sábado, acordei com o coração apertado. Arrumei as malas para a viagem em um misto de vontade de vencer e exaustão pela saudade de casa. Os amigos de profissão estavam todos prontos. Entre mensagens e telefonemas, embarcamos para a grande final. Os horários, lugares todos perdidos na lembrança, dão lugar à nítida imagem daquele estádio lotado. Aquele jogo decisivo mostraria se voltaríamos ao aconchego do lar vitoriosos e ovacionados ou, trazendo apenas o sabor amargo de ser o primeiro time dos últimos. Isso me deixava angustiado. O presente de seis meses de casamento era aquela vitória e depois de tanto tempo e investimento, nada mais serviria.

Então, chegando aos quarenta minutos do segundo tempo e com o placar ainda em zero a zero, eu suava. Os apitos e cornetas não me motivavam mais, apenas atordoavam. Como poderia um meio-campo não ter ainda, àquela altura, desenvolvido um passe decisivo? Os companheiros olhavam, corriam, cobravam e... nada.

E foi em meio a pressão sobre corpo, alma e garganta, que um companheiro, sem calcular bem a velocidade, no afã pela bola, derrubou o atacante adversário na área, e fomos punidos com um pênalti, para desespero de toda a equipe. O técnico pôs as mãos no rosto como se o assistido ferisse a retina.

O atacante bateu com força para o canto direito e assistimos a caída de nosso goleiro para o mesmo canto, porém não o suficiente para a retirada da bola, que entrou com sucesso, por baixo de seus longos braços, no último minuto, para delírio da torcida adversária.

Viajamos em silencio, de volta para a casa, com o canto da torcida do time oponente nos ouvidos. Foi por pouco. Foi feito todo o possível. Tudo o que eu queria naquele momento era chegar em casa e sob afagos carinhosos, esquecer o indigesto segundo lugar.

Deixei as malas no chão, exausto, e chamei por Maria, que chegou depressa, e nos abraçamos envoltos em saudade e companheirismo. Nossos olhos se encontraram determinados:

- Maria, eu tentei. Fiz todo o possível.

A resposta eu jamais esperaria. Ela sorrindo, com uma lágrima no canto dos olhos, me manda ler o que estava em cima da escrivaninha. Um teste de gravidez com resultado positivo. Atei-me ao seu pescoço chorando. Hoje choro ao lembrar de tudo isso com Victória nos braços, linda e rosada. O presente de casamento fui eu quem ganhei. Vitória maior não poderia ter recebido. Aquele dia, aquele jogo, jamais sairão da memória. Meu maior gol de placa. De Janeiro a Janeiro, enquanto o amor existir, até o mundo acabar.