Quinta-feira
É noite de sábado. Lá fora as pessoas se divertem: dançam ao som de uma música alta, cuja letra não é do meu agrado; riem, como se estivessem bêbadas (na verdade, estão); conversam de uma maneira desastrosa e com palavras de baixo calão.
Estou em meu quarto. Visto um pijama; escuto músicas novas, ao passo que aprendo um novo idioma. Faço planos os quais demoro para cumprir; gasto a tinta da caneta escrevendo textos e mais textos, tentando fugir da própria realidade - fugir da rotina, reinventar-se. Mas ninguém se importa. Ninguém, além de mim, é capaz de desvendar os mistérios do meu coração.
Tento esvaziar a mente, entretanto, penso em você. Talvez seja em razão de eu querer traçar um futuro ao seu lado: andar de mãos dadas, sentir os nós dos seus dedos colados aos meus; comer bolo quente em uma tarde de sexta-feira. Penso em você na intensa possibilidade de sermos um só.
Penso na surpresa de quinta-feira, na qual você apareceu. Iluminou aquela manhã cinzenta e fria; riu e colou seu corpo junto ao meu. Senti sua barba por fazer encostar no meu rosto, estremeci.
Queria poder congelar aquele momento e lembrar-me dele sempre que estivesse triste. Queria fazer morada em teus braços fortes e largos; fazer do teu sorriso a minha vista diária. Escrevo e reflito que daqui a 50 anos quero lembrar do seu rosto e do seu cheiro e em todos os motivos os quais sorri por você.
Estamos sozinhos. Apenas sinto o meu coração acelerado e as minhas mãos geladas. Depois, escutamos atentamente um ao outro.
Reparo que nunca tinha estado tão perto. Reparo que a sua voz é ainda mais doce pessoalmente - a vontade de ter uma canção saindo dela dedicada a mim é incessante. Reparo nos seus lábios e na vontade de encostar mais perto da sua boca. Reparo na sua roupa e na vontade de ter alguma peça sua como recordação. Reparo no seu nome, e na sutileza existente em soletrá-lo. A cada dia, a cada pulsar, reparo na sua presença. Na sua existência. E no quanto me acalma.
Volto ao agora, com a memória mais bonita da semana - para ser uma hipérbole: do mês, ano, década e século. E, com pesar, escrevo (sentindo muito) no quanto ela agride o meu interior tão cheio de amor e vazio de sensatez.