Nas margens de mim
Pode ser que você não se importe, mas essa tarde veio uma enorme vontade de escrever sobre o que vem a seguir.
Estou ausente, eu sei. Faz alguns dias em que conversamos e alguns meses que nos vimos pela última vez; queria que você soubesse que nesse espaço de tempo algumas coisas aconteceram.
Passei a me dedicar às coisas que realmente gosto de fazer. Li mais. Escrevi mais. Escutei mais as músicas das minhas bandas favoritas; conheci outras. Comi chocolate e tomei refrigerante, não dei a mínima para as dores no estômago. Abandonei as previsões do Horóscopo. Frequentei mais o cinema e as livrarias. Usei pela primeira vez aquele vestido cor de salmão com laço que disse a você que ficava linda com ele, lamentei não ter me visto. Vi pessoas que há muito não viam, a nostalgia bateu à minha porta. Revirei caixas e encontrei agendas antigas, que continham textos antigos que refletiam a maneira pela qual eu via o mundo – dos doze aos quinze.
Durante esse mesmo tempo procurei me afastar de coisas que no meu ponto de vista era algo inútil. Isso vale para os programas de televisão, cujo objetivo é influenciar a opinião alheia. Para as revistas de fofocas, que possuem o poder de induzir as pessoas a gastarem dinheiro para pagar as assinaturas destas que trazem a vida das celebridades que já estão com suas vidas feitas. Até mesmo para alguns dos meus vizinhos, por escutarem músicas em um tom deliberadamente alto e com gosto duvidoso. E não podia deixar de mencionar aquelas pessoas que julgam outras pelo simples fato de ser quem são – o nome disso é perca de tempo.
Criei uma nova rotina (e quem sabe, optei por uma nova filosofia de vida). Nossos amigos devem perguntar a você sobre o que anda acontecendo comigo. Não sei a sua resposta. Na verdade, prefiro não saber. Quero continuar me privando disso. Desculpe-me, mas eu precisava fazer isso. Joguei fora tudo aquilo que eu acreditava não me servir mais; renovei o guarda-roupa (metáfora materialista).
Uma coisa, porém, continua me perturbando todas as noites. Ainda penso nos seus erros. Nos nossos, vai! Desde os mais simples àqueles que nos fazia ficarem dias sem se falar. Era quando o orgulho entrava em ação. Na maioria vezes era eu quem deixava este de lado e ia conversar. O chato é que não era como nos filmes, quando o casal apaixonado briga e logo depois faziam as pazes com um beijo demorado. Na nossa vida, era diferente. Fazíamos promessas e mudávamos algumas de nossas atitudes. Tinha a impressão de que quando isso acontecia era como se fortalecesse aquilo que chamávamos de “plural” – o “nós”. E quando isso acontecia eu fazia do seu abraço, um abrigo; trazendo consigo uma paz em que não era preciso explicar, apenas sentir. Sua ternura cercava-me transbordando um intenso amor. Algum dia isso acabou. Você mencionou algo como “planos”, porém eu não estava inclusa neles. Todas as expectativas que eu fiz para somar às suas foram desfeitas. Isso é passado, sei bem. Como disse, uma súbita vontade de falar sobre me visitou hoje. Saudade seria a melhor definição. Saudade da maneira como você não gostava de andar de mãos dadas, de quando íamos ao cinema em que a última coisa que fazíamos era prestar atenção no filme, ou dos seus ciúmes (desnecessários). Cada detalhe que era amado por mim; aceitei você desse jeito: nos seus acertos e nos seus erros.
Apesar de acontecimentos posteriores deixarem marcas de ressentimento, queria que soubesse que te guardo nas minhas lembranças mais bonitas, e que nesse meu coração – congestionado de sentimentalismo e implorando por razão – você ocupou um dos lugares de maior valor.