A Sentinela

Por que razão, às vezes, nos escapa a razão? Decerto porque somos imperfeitos... ainda. É que há “um tempo para tudo”. Sabemos, em Eclesiastes, que há tempo de calar-se e tempo de dizer; tempo de amar e tempo de recuperar-se, tempo de guerra e outro de paz, de modo que nem sempre nos damos conta de que os interlúdios devem ser respeitados.

Fiquei ponderando sobre esses dois impulsos: o da guerra e o da paz - uma dupla de extremos que só existe em função de seu interregno.

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Ele ruminava:

“Se ela está querendo que eu diga alguma coisa primeiro, está muito enganada!”

Ela, por baixo das cobertas e também ferida em seu orgulho, refletia:

“Não digo mais nada, ele que reconheça o erro e peça desculpas”.

A discussão fora à toa, infantil até, mas o bastante para criar entre os dois, sobre aquela cama surda-muda, o muro intransponível do amor próprio implantado em cada um.

“Quem a mandou dizer o que disse, duvidar da minha palavra, não respeitar a minha opinião?” – continuava ele a ruminar.

“Quem o mandou responder o que respondeu quando os fatos corroboravam a minha razão?” – devolvia ela em seu pensamento.

A mudez e o edredom pardo que pesavam mais que um céu noturno em nada ajudavam.

“Ai, meu Deus, um ruidozinho qualquer, uma lufadazinha que soprasse nos vidros da janela, qualquer coisa, meu Deus, pra quebrar esse ensurdecedor silêncio dele!”

“Meu Deus do céu, ela vai passar a noite inteira e não dizer nada?”

Mistérios à parte, há um momento em que todo enigma envolto em brumas é dissipado por um novo rumo que as coisas tomam. A partir daí, um luzeiro brota no horizonte de uma nova ordem e o que antes dormitava nos porões da incompetência salta à luz de uma cristalina razão.

Ela deixa escapar um único suspiro, apenas um soluçozinho que a desarma, entrega e trai; um brevíssimo sinal, acompanhado de uma lágrima invisível, embora o bastante para abalar os alicerces de um castelo insustentável.

Ele, despojado de seus medievais escudos e vendo ruir à sua frente o muro de sua imponente fortaleza, vira-se cativo e prisioneiro:

- Tá tudo bem com você?