Minas e o queijo: ciência e fé

Minha mulher é mineira, quer dizer, ela nasceu mesmo foi no Rio de Janeiro, mas a mãe dela é mineira, legítima de muitas gerações. Até mesmo eu, que nem muito brasileiro sou, me considero mineiro, por casamento. Une-nos a nós e a Minas Gerais o mesmo amor, muito mais importante que o local do nascimento: o amor ao queijo.

Lá em casa o queijo ocupa um lugar central. Não só, como seria óbvio, na geladeira, mas em todo lugar existe queijo empilhado. Empilhado? Sim, pois me esqueci de dizer o principal: queijo, principalmente o queijo Minas, precisa, para adquirir o sabor e a textura característica, ser curado. E a cura do queijo é uma ciência que flui por meandros tão intrincados que, nos seus limites, atinge até mesmo a fé. Como explicar de outra maneira os véus, paninhos, campânulas e redomas a cobrir e manter afastado dos olhares indiscretos a recata e alva nudez da maciez úmida da matéria? Como explicar aquele incidente, ocorrido na véspera de um casamento da família, em que eu, ao retirar o meu terno para arejar, encontrei um queijo Minas no bolso interno do meu paletó? Questionada, minha mulher respondeu com ar de santa: “Poxa, você nunca usa o terno. Além disso, lá no escurinho do armário, a temperatura e umidade são ideais!” Real ou ideal, isto daria uma discussão para muito além da física ou metafísica. Bem físico, no entanto, foi o encontro na cama, no escurinho do meu quarto, na hora de dormir. Debaixo do meu travesseiro jazia um queijo na placidez inocente da bem-aventurança! Desta vez nem mesmo a santidade pode ser evocada. Minha mulher fez ar de surpresa e, com uma ponta de culpa e arrependimento disse: “Ih, esqueci de tirar. Aproveitei o calorzinho da manhã para iniciar a cura, mas depois eu devia ter tirado.”

A nossa geladeira daria um capítulo à parte. Pilhas de queijo enchem o compartimento superior, separadas por pequenas tábuas de madeira, cobertas por todo tipo de recipiente para, de um lado, não ressecar demais e, por outro lado, não mofar ou amargar. São obras a desafiar a inventividade de arquitetos e engenheiros e o fato de até hoje, jamais ter havido desabamento ou catástrofe, são provas mais que suficientes de que na ciência existe também a fé.

Cláudio Thomás Bornstein