A Conversa
Tinham ido à farmácia comprar xarope pro irmão mais novo. A mãe, afobada, olhando o relógio, tentava administrar a falta de tempo. O menino, olhando tudo ao redor, tentava aproveitar o tempo antes do treino de futebol.
A mãe decidia se levava o xarope natural ou o alopático, e de vez em quando olhava o que o menino estava xeretando. Saíram da farmácia, e antes que ela olhasse o relógio mais uma vez, ele disparou a pergunta, à queima roupa:
- Mãe, o que era aquilo perto das pomadas?
“Aquilo” perto das pomadas... ela demorou cinco segundos para identificar o mostruário de preservativos com embalagens brilhantes ostentando um grande morango. “Sabor morango”, diziam as letras douradas. Respirou devagar: consultar a hora havia perdido o sentido. Ela poderia mentir, dizer que eram pastilhas.... Mas ele tinha nove anos e ela se preparou a algum tempo para este tipo de pergunta: consultou pela internet as opiniões de alguns especialistas. Agora, tudo vinha aos turbilhões em sua cabeça: “Talvez seja a conversa mais importante a se ter com seus filhos”, disse-lhe o padre certa vez. Ela havia se preparado, mas não esperava fosse assim, no meio da rua, e sobretudo sem a presença do pai, afinal de contas era um menino! Tentando afastar a ponta de desespero que começava a surgir, ela fez uma anotação mental: “Jamais planeje algo para seus filhos: quanto mais você planejar, menor será a chance de acontecer daquela forma”.
O menino olhava para ela esperando uma resposta, e ela tentou com bastante esforço seguir as dicas do programa matinal “Com você”: em primeiro lugar, manter a naturalidade. Ela sorriu, forçando alguma naturalidade, e disse:
- Vamos para o carro, ou nos atrasaremos. A gente conversa no caminho.
Entraram no carro e ela ficou olhando para a chave, pensando se seria seguro dirigir naquele estado de angústia. E pensar que tinha ensaiado tanto “A” conversa...
- Mas, hein, mãe, o que era aquilo lá na farmácia?
Lembrou-se do especialista: “Quando houver perguntas por parte das crianças, os pais podem respondê-las com o cuidado de adaptar as informações ao nível de compreensão de seus filhos.” Que nível de compreensão seu filhinho teria sobre isso?
Se ao menos o pai estivesse ali...
Precisava tomar uma decisão imediatamente. Concentrou-se: precisava ser mãe agora. Afinal, era mãe acima de tudo. E mãe é isso mesmo: coragem, resistência, abnegação. Mãe gera e traz ao mundo. Pari. Amamenta. E tem responsabilidades. Não podia decepcionar o filho agora, num momento tão importante. Lembrou-se das sessões de terapia: vencer recalques, vencer constrangimentos. O filho precisava de orientação, e ela não podia deixar essa missão tão importante para um mundo cada vez mais confuso. Encheu os pulmões de ar. Encheu-se de coragem. Avante, todas as mães: padecer no paraíso é sua missão! Ter “A” conversa agora, sozinha se preciso fosse. Resolveu encarar:
- Aquilo era preservativo. – ela tentou ao menos parecer natural – quando um homem e uma mulher...
- Ah, mãe, isso eu sei! – ele interrompeu, com certa impaciência – camisinha, eu sei pra que serve, como usa e “tals”! - Quinze segundos de silêncio, a mãe pensando em quantas sessões de terapia resolveriam aquele momento. Mas crianças, muitas vezes, são insensíveis ás angústias adultas. E adultos, ás vezes não sabem o quanto a situação pode piorar – camisinha, não precisa me explicar, eu conheço... mas... sabor morango??????