ESPELHO MEU

Conta a fábula que Narciso filho do rio Céphiso e da ninfa Leríope, era dotado de uma beleza maravilhosa. Certo dia enamorou-se de sua própria imagem, ao mirar-se nas águas de uma nascente e nelas se precipitou. Foi trans-formado na flor a que deu o nome.

Intuímos, pois, que incauto e insensato é aquele que se deixa seduzir, quer por espelhos de águas cristalinas ou espelhos de vidro. Bom senso e, sapiência terá aquele, que não se deixe seduzir pelo canto da sereia que pode estar encantada dentro do seu próprio espelho. Por detrás do espelho, nos interstícios do tempo, moram fantasmas e certos diabinhos prontos a espicaçar nossas vaidades físicas e, não contentes com os estragos provocados pelo tal do tempo, põe a descoberto as nossas comiserações também da alma, afinal, não dizem que o rosto é o espelho da alma?

O espelho me revela o outro em mim refletido. Perversa é a trama urdida por esses objetos encantados, os espelhos. Delicados, alguns belas obras de arte, formas as mais variadas, habitantes dos mais inesperados lugares, escravos dos caprichos de seu criador, vinga-se, entretanto, escancarando fria e impiedosamente, o que às vezes mais gostaríamos que não fosse revelado, o que tentamos através de artifícios esconder.

Mas afinal o espelho, a par da sua perversidade, paradoxalmente é talvez o nosso amigo mais sincero, só que não o reconhecemos como tal, e não o levamos a sério. Afinal, um espelho é um espelho, coisa fria, inanimada, não tem voz própria, não pensa, não tem alma. Contudo que tesouros, quanta sabedoria, que temeridades o espelho guarda!

Ah, se os espelhos falassem!... será que não falam ou nós é que não os queremos ouvir, na tola e doce ilusão de que espelhos são apenas espelhos.

Eduardo de Almeida Farias

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 24/05/2007
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