O Rio de Janeiro Continua Lindo?
A música não escapava dos seus pensamentos. O aviso desafinado, disseminado com velocidade rasgada entre cabeças órfãs, confirmava a previsão catastrófica que se escondia no calendário suspeito. As operações da empresa seriam deslocadas da capital paulista para a cidade maravilhosa. Pior, poucos indicados, definidos a contragosto pelas peças-chave, seriam convidados a abrir mão dos interesses enraizados para partilharem desta aventura inóspita.
O primeiro instinto seria condenar a condição lamentável de insegurança do novo destino. Infelizmente, a crítica óbvia possui precedentes nacionais que se equilibram independentemente da localidade em que estão. Se soluçamos o choro desesperado quando lembramos do desespero carioca, arrastado no futuro interrompido do menino João Hélio, engolimos as mesmas gotas salgadas quando suplicamos por míseros sinais vitais no fundo inexplicável da cratera paulista.
A incapacidade de lidarmos com o caos que nos afronta desempenha papel fundamental em nossas decisões. Defendemos nossa metrópole, seja ela qual for, como se estivéssemos comodamente realizados no desespero que dela jorra. A repetição diária do mendigo de gorro azul e olhar imundo, estendendo as mãos trêmulas, acalma nosso caminho justamente pela intimidade promovida nessa redundância. Somos amigos de infância dos dramas de nossas cidades e juramos, mesmo que em silêncio, suportá-los pela simples incapacidade de negá-los.
Ao mesmo tempo, nos viciamos na dramaturgia global. Apoiados em imagens sedutoras que desfilam nas belezas naturais do Rio de Janeiro, aceitamos o conceito que une qualidade de vida com passeios paradisíacos. Acreditamos que a saída do aeroporto refletirá o brilho das passistas carnavalescas e os refrões de bossa nova. No fim, acabamos esquecendo que a vista privilegiada vem justamente dos menos sofisticados, pendurados em falácias arquitetônicas de um morro qualquer.
Nosso personagem, porém, entende que a aceitação profissional, engatinhada nos rabiscos de seu currículo instável, invade o conforto de suas ações. Fisgado no processo que guilhotina pensamentos voláteis, teme pela imobilização de suas idéias. Temeroso pela incapacidade de prever o futuro, ainda assim balbucia sílabas de esperança, torcendo para que os aparelhos não sejam desligados e suas convicções alcancem seus sonhos.
Dessa forma, quem antes demonstrava enjôo com a simples idéia de arrastar seu corpo em um terreno hostil, hoje arrasta o “s” com desenvoltura e conformismo.
Assoviando um refrão que nunca foi seu.