Amanhã, presente

Corpo inerte. Não há mais silêncio como antes, mesmo assim a calma impera, tanto que o gotejar da torneira chega a incomodar. Lá fora, sinais de trânsito alternam bobamente o verde, o amarelo e o vermelho sem que ninguém se importe.

Corpo cativo. Cães, covardemente trancados em apartamentos, não ladram mais como noutros tempos, permitindo aos gatos passearem tranquilos por onde bem entenderem.

Corpo ativo. Coisas do cotidiano se refletem em imagens, sons, situações. Boas ou ruins. O erotismo se faz presente vez por outra, agitando, intumescendo, dizendo assim: “Estais vivo!”.

Corpo flutuante. O orvalho, indistintamente, molha folhas, flores, automóveis, pedras, terra e vidraças, enquanto o vento uiva por entre frestas parecendo assombração. Uma assombração boa.

Corpo em suspense. A natureza muda, repentinamente, de um dia para outro. A vida muda num segundo. Uma palavra, um olhar e tudo pode ser diferente num piscar de olhos.

Corpo ausente, amanhã presente.