Tem certas coisas que só acontecem com o Botafogo...
Eu sou uma daquelas pessoas que seria botafoguense em potencial. Daqueles alvinegros doentes que, costumeiramente, entre superstições e crenças na áurea da camisa 7, seria mais um adepto do time da General Severiano. Não fosse as intrigas costumeiras com o meu pai e o jejum de títulos de 20 anos do Botafogo, seria alvinegro de carteirinha. Tornei-me flamenguista, é claro, a partir dos meus 12 anos, depois do glorioso Fla x Flu, onde o Mengão sagrou-se campeão carioca. Mas ainda assim, mesmo sendo rubro-negro, tenho aquele carinho especial pelo Botafogo e confesso que ontem, quarta-feira, fiz questão de torcer contra o Figueirense.
Particularmente, até iria ao jogo, mas, diante dos rogos insistentes da amada, assisti o jogo do Fluminense com ela e o seu pai na tela da TV. Fiquei, de certa forma, frustrado, por perder um jogo tão bom e bem jogado.
Antes de chegar à Taquara, ao sair do Centro, quando o 241 chegara à Radial Oeste, estava tomada por alvinegros doentes e esperançosos. Confiantes na mística da camisa e dos milagres que "só acontecem ao Botafogo", muitos cantavam o hino do Glorioso (Tu és o Glorioso... não podes perder! Perder pra ninguém!). Os integrantes da Fúria Jovem do Botafogo (FJB) gritavam empolgados um dos seus gritos de guerra ("é a Fúria, mané!"). E entre botafoguenses e botafoguenses ocupando as ruas e o trânsito congestionado dos arredores, é que o ônibus, após um enorme sufoco, conseguiu, enfim, passar para a 28 de setembro. O mesmo boulevard com seus bares e restaurantes lotados, esprando o início do jogo, ainda nas mal completadas 21 horas, com alguns torcedores alvinegros andando rapidamente para o Maracanão, trajados em seus uniformes.
Ali parecia uma noite festiva. Aliás, tinha todos os ingredientes para ser! Já seria (em tese) o prenúncio para a final com o Fluminense. Me lembrei, na condução, até das rivalidades e gozações alheias mútuas que o Everton Gomes (grande amigo tricolor de longa data, há seis anos!), o Alex Cardoso e Bruno Franco (alvinegros convictos!) dariam entre si, enquanto eu, rubro-negro, ficaria, entre meus recalques íntimos, para aturar a zoação das duas torcidas, já que o Mengão estava fora da Libertadores e aquele time do Grêmio (inferior ao do Fla) conseguiu passar pelo timeco do Defensor do Uruguai.
Voltando ao que interessa, chegando à Taquara, fiquei frustrado em ver aquele jogo sem brilho, sem futebol e sem nada do Brasiliense x Fluminense. Uma pelada, na acepção mais exata da palavra! O Brasiliense - justiça seja feita - deu de si, com raça e disposição. Cada um ali jogava o jogo da sua vida. Em contrapartida o Tricolor das Laranjeiras, mesmo levando o susto do gol do time candango, conseguiu administrar o jogo e empatou no 2º tempo, para a felicidade dos tricolores cariocas.
Perdi o jogo do Botafogo. 64 mil apaixonados foram ao maior do mundo ver o show de bola do Fogão, comandado por Cuca e pelo time de Zé Roberto, Dodô, Lúcio Flávio e companhia. Dois gols anulados (um impedimento muito bem marcado pela bandeirinha Ana Paula de Oliveira e outro mal anulado, em um lance legal que ela vai ter um peso na consciência durante toda a sua vida) e um jogo de alto nível, com o domínio absoluto do alvinegro carioca.
Aliás, quando vi na TV o gol mal anulado do Botafogo pela Ana Paula, fiquei estarrecido. Fiquei pensando naquele momento na reação dos milhares de torcedores presentes no Maraca com o impedimento marcado de forma incoerente. Repetia-se a velha e batida sina de que "tem certas coisas que só acontecem com o Botafogo". Imagino que não só a mãe dela foi "elogiada" pela torcida, mas a posteridade dela e até os nomes que ela pôde receber "carinhosamente" pela torcida (entre eles, a que exerce a profissão, em princípio, mais "antiga" do mundo). Todos... Fúria, Botachopp, TJB - e até quem não pertencia a torcida organizada -, se sentiram irmanados, em uma identidade comum (a de estarem juntos em um sentido teleológico, pelo Botafogo) em serem espoliados do direito do seu grito de gol (e da classificação, o que mudaria a tônica do jogo!).
Extorquidos e refém dos sentimentos confusos passados pelo gol mal anulado, tentaram eles se superar com a certeza do peso da camisa sobre o Figueirense.
Como isso ocorreu no primeiro tempo, cria a torcida alvinegra (dentro e fora do Maracanã) que a sorte estava com eles e que era apenas questão de tempo a final inédita com o Flu, retomando a final carioca do ano passado da Copa do Brasil, entre Flamengo x Vasco da Gama.
Ledo engano...
Pobres alvinegros... mais uma vez repetiu-se a sina de sempre!
E pior... em uma vitória de Pirro, similar à final com o Flamengo no campeonato carioca de 2007. Estavam com a mão no título, mas o "sobrenatural de Alemeida" resolvei tirar-lhes e, fatidicamente, dar ao clube da Gávea.
Em um segundo tempo mais recuado, contando que não seria preciso se arriscar para, ao menos, garantir os penaltis, os alvinegros, entre apoios e incentivos, cantavam ininterruptamente (creio eu, em minha imaginação) aquela música que todas as torcidas cantam e adaptam para si, em uma música digna de livrinho de auto-ajuda (daqueles do Lair Ribeiro, do Roberto Shinyashiki ou de Içami Tiba), em um mantrão interminável com mais de 60 mil vozes. Era a melodia do "ôôô! Vamos virar, Fogoooo! Vamos virar, Fogo! Vamos virar, Fogooooo, ôôô!". E nada do Botafogo esboçar uma reação útil, similar ao do primeiro tempo, em toda a sua bateria de artilharia e ataque infante.
Até que, aos 44 minutos do segundo tempo, eis que o impecável goleiro Júlio Cesar, até então elogiado pela torcida, resolve - em um dos caprichos que acontece no futebol, de vez em quando - após um chute longo e sem força de Claiton Xavier, tomar um dos frangos mais horríveis que eu vi em toda a minha vida (nem os do Zetti e os do Carlos Germano se comparam ao dele). Imagine, então, se eu estivesse lá no Maraca, contando com a classificação e vejo o frango do Júlio Cesar...
Não tenho a noção exata do sentimento dos botafoguenses. Tenho muitos amigos alvinegros, por sinal. Na hora, pensei em cada um deles e na dor e decepção que os mesmos passavam, em um jogo fácil e, pelo andar da carruagem, até garantida. Foi o jogo ganho mais perdido, ao meu ver, em toda a minha vida, desde que vejo futebol nos estádios e na TV e me entendo como gente. Pior, inclusive, que a derrota da Jandira para o Senado, em 2006, e a do LP Conde para a Prefeitura em 2000 para o Cesar Maia.
Foi aquela vitória indigesta. Um brilho apagado por uma mulher e, quiça, da velha sina que atormenta até o mais experimentado alvinegro, acostumados às velhas glórias dos tempos áureos de Garrincha, Nilton Santos, Gérson e outros que perpetuaram os tempos de títulos do Botafogo.
Ainda o Botafogo faz um gol nos acréscimos, com o gol contra de Vinícius, fazendo 3x1. Mas já era tarde... tarde demais para quem almejara tanto a final com o Flu e era um dos times brasileiros, em 2007, maior regularidade, similar, inclusive ao Santos.
Na hora, a minha amada falou que eu tinha sido poupado de um desastre, ao gastar dinheiro à toa. Em certa parte, até tinha de dar o braço a torcer. Mas, ao mesmo tempo, queria compartilhar junto a dor dos que viram um Botafogo superior, com sede de título, frente a um Figueirense apático, omisso e, por vezes, sem qualquer pretensão ou ambição maior.
O Botafogo caiu. Caiu, porém, de pé!
Quis o tempo que o Botafogo pagasse caro. Não pelos erros. Não apenas pela sua virtude, pela qualidade técnica dos seus jogadores, pelo seu conjunto, por um técnico habilidoso e por dirigentes entusiastas como o Carlos Augusto Montenegro e Bebeto de Freitas.
Infelizmente, o pecado maior do Botafogo é ele ser, simplesmente, Botafogo...
Só por isso.