O galo do Sr. Panucio

A família era grande. Pai, mãe, sete filhos. Cinco homens e duas mulheres. O mais velho já com dezesseis anos e o mais novo com quatro anos. O pai chegou da roça, rosto marcado pelo trabalho duro do dia-a-dia, sentou-se no alpendre da casa, como costumava fazer toda boca da noite. Tirou a palha de milho do bolso e gritou para o filho mais novo: Vicente, traz aqui o fumo que tá na lata em cima da partilhera, menino. Ligeiro viu! Vicente muito rápido pegou a lata com fumo e levou até o pai, que mais que depressa, preencheu a palha com o produto, lambeu-a e fechou o paeiro com as mãos, acendendo-o em seguida. Fez um afago em Vicente e pediu-lhe que chamasse a sua mãe e todos os outros filhos, pois queria falar algo importante. João o mais velho e Alfredo o segundo ainda não estavam em casa, por que também já trabalhavam na lavoura de sol a sol. Então vieram as duas moças de treze e onze anos, e os outros dois meninos de nove e sete anos. A mulher, Dona Eufrozina, mais conhecida por Dona Flor, chegou apressada, preocupada com o tom de voz de seu marido.

Seu Panúcio, homem já maduro, calejado de tanto trabalho duro, olhou para sua mulher, para seus filhos ali presentes e disse: Bom, eu queria ter uma prosa com vocês por que decidi que não quero meus filhos trabalhando na roça para o resto da vida. E acrescentou: Quero meus filhos virando doutor e não calejando os dedos no cabo da enxada e da foice.

Dona Flor, muito apreensiva disse não saber como poderiam sair daquele lugar, pois nascera ali, ali se criara e nunca havia saído sequer pra ir à cidade mais próxima que ficava a 20 quilômetros de distância. Tenho medo marido, disse ela. Tenho medo de nois não consegui trabaio e não ter de cumê pra dá pra nossos fios.

Seu Panucio acalmou a mulher dizendo que nunca lhe faltou nem lhe faltaria coragem para trabalhar e colocar arroz e feijão na mesa da família e emendou: Já está decidido. Já arrumei comprador pro sítio e amanhã irei até a capital procurar um barraco pra comprar e na semana que vem nós iremos embora.

E assim foi.

Seu Panucio recebeu o dinheiro pela venda do sítio, foi até a capital e comprou uma pequena casa em um bairro afastado. A casa era pequena, mas o terreno até que era grande. Ele escolheu assim por que queria criar galinha no quintal.

Dona Flor tratou de encaixotar a mudança. Não era muita coisa. Umas poucas roupas, redes, utensílios domésticos, um filtro de barro, umas cadeiras de madeira e couro de boi e as ferramentas de trabalho do seu Panucio, pá, foice, enxada, machado, facão.

E lá se foi a família em cima de um caminhão velho rumo a capital que distava 153 quilômetros do sítio onde moravam. As galinhas seguiam em jacás, uma espécie de cesto de palha confeccionado artesanalmente pela família.

Lá chegando, se instalaram na pequena casa, armaram suas redes, construíram no fundo do quintal um cercado para as galinhas e lá as colocaram. Dona Flor tratou de construir um fogareiro e arrumar da melhor forma possível as suas panelas em prateleira improvisadas com tábuas velhas, restos de contrução. Seu Panucio saiu a procura de trabalho, oferecendo sua mão de obra nas casas para limpar quintal, fazer pequenos reparos em telhados e outros pequenos serviços.

Não lhe faltou trabalho naquela região e seus filhos já devidamente matriculados na escola do bairro, quando não estavam em horário da aula, ajudavam o pai nos trabalhos, pois este já não dava conta da demanda. As meninas ajudavam a mãe nos afazeres domésticos e aprendiam bordados, crochê etc.

Na primeira semana em que estavam ali, uma vizinha veio cumprimenta-los e conhecê-los. Dona Flor muito gentil ofereceu o tradicional cafezinho. Proseavam alegremente quando uma galinha escapou do cercado e adentrou à cozinha. A vizinha muito curiosa quis saber detalhes sobre o galinheiro. Já informada, alertou os novos amigos que na casa à esquerda da residência do seu Panucio morava Dona Lurdes, senhora rabugenta e mal humorada e que esta detestava animais, especialmente galinhas e completou: _ É bom vocês tomarem cuidado para que nenhuma galinha escape do cercado e pule a cerca para a casa da Dona Lurdes por que só Deus sabe o que pode acontecer. E disse ainda: _ Essa ai do lado não se dá bem com ninguém.

A vizinha foi embora, o tempo passou e seu Panucio juntamente com a família estavam vivendo tranquilos na nova cidade e nova casa até o dia em que o um frango escapou do galinheiro e pulou a cerca para a casa da Dona Lurdes. Isso deve ter acontecido de madrugadinha, quase para amanhecer o dia, pois eles ainda ouviram o galo cantar lá pelas cinco da manhã quando Dona Flor preparava o café e seu Panucio já se trocava para ir trabalhar.

Enquanto Seu Panucio se arrumava, Dona Flor abriu a porta da cozinha que dava para o quintal a fim de ir até o galinheiro colher alguns ovos para o desjejum. Levou um susto daqueles quando deu de cara com um frango se estrebuchando no chão já com o pescoço quebrado.

Voltou correndo aos gritos: _ Marido, marido, marido alguém quebrou o pescoço do galo. Seu Panucio muito sabido logo deduziu que o frango havia pulado a cerca e a vizinha enfezada o teria devolvido já no ponto de preparar para ir à panela. Então ele disse: _ Se acalma mulher. Põe água para ferver que nós vamos pelar o frango..

Assim o fizeram. Aferventaram a água, depenaram o frango. Dona Flor sabia fazer um galinha ao molho como ninguém. Seu Panucio falou: Mulher, prepara o melhor frango ao molho que você sabe fazer e separa os melhores pedaços em uma vasilha que quando eu chegar do trabalho vou querer eles.

Assim fez Dona Flor. O Frango estava realmente delicioso. De longe se sentia o cheiro, o que já dava água na boca. Seu Panucio chegou às onze horas. Velho hábito de almoçar cedo cultivado no interior. Perguntou sobre o frango reservado, pegou a vasilha com o preparado que Dona Flor havia guardado, tampou-a e saiu em direção à casa da Dona Lurdes.

Dona Flor sem nada entender e apreensiva com o que poderia acontecer ainda gritou para o marido: _ Marido o que você vai fazer. Seu Panucio nada lhe respondeu.

Chegando à casa da Dona Lurdes, bateu palmas. Ela abriu a porta.

Seu Panucio se apresentou: _ Bom dia!

Dona Lurdes respondeu: _ Bom dia!

__ Meu nome é Panucio. Mudei para esta cidade a pouco menos de dois meses. Vim do interior. Morava em um sítio na região dos alagados. Decidi vim pra cidade a fim de dar oportunidade de estudos para meus filhos.

_ Como vai a Senhora?

Dona Lurdes respondeu secamente: _ Eu vou bem. Melhor impossível.

Seu Panucio acrescentou: _ Que bom. Fico muito feliz de ter vizinhos assim. Não tive oportunidade de conhecer direito a vizinhança, mas acho importante ter um bom relacionamento com todos, pois afinal muitas vezes podemos precisar um do outro em momentos difíceis, ou também em momentos alegres. Por isso aproveitei que minha esposa fez um saboroso frango ensopado e vim compartilhar com a senhora um pouco desta gostosura. Espero sinceramente que aceite e muito mais ainda que goste. Dona Lurdes ficou muda.

Seu Panucio aproveitou que ela estava atônita, entregou-lhe rápido a vasilha com o frango ensopado e falou que qualquer hora estava esperando uma visita dela para tomar um café e conhecer o restante da família dele. E disse ainda: Não se preocupe em devolver a vasilha.

Passaram-se alguns dias. Em uma tarde de sábado, quando toda a família do seu Panucio estava reunida na frente da casa proseando, como era costume naquela época, lá praquelas bandas, dona Lurdes saiu na porta, foi chegando de mansinho, com a vasilha em cujo frango ensopado mais saboroso que ela havia comido na vida lhe havia sido entregue outrora, cumprimentou a todos, agradeceu pelo frango, elogiou a receita da Dona Flor e pediu desculpas por ter puxado o pescoço do pobre frango.

A família a convidou para sentar na roda de conversa e deste dia em diante se tornaram grandes amigos e a troca de receitas era uma constante entre as duas vizinhas.

JANET VITAL
Enviado por JANET VITAL em 08/10/2014
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