O distrito acorda

O distrito acorda

Não são nem 08:00 da matina e ao abrir a porta de casa avisto uma multidão andando pela rua. Parece tarde, mas para mim, 08:00 ainda é quase madrugada. Tenho a impressão de que muitos que estão andando não gostariam de estar ali naquele horário. O motivo?

Fico imaginando: alguém pode ter ido a uma festa na noite anterior… alguém pode ter ficado no telephone com a pessoa amada até tarde… alguém pode ter lido um livro inteiro pela madrugada. E tem eu, que fiquei até tarde assistindo àquele seriado, que para mim, é viciante.

Quanto mais eu ando, mais gente aparece. O distrito realmente acordava. Passo por uma senhora que me pergunta se a república onde moro precisa de faxineira. Como há um alto índice de assalto no distrito em que vivo, com receio minto:

- Sim, nós já temos empregada. Obrigado.

Fico meio sem jeito, pois ao mesmo tempo em que penso que há uma pessoa precisando de trabalho, penso na segurança dos que comigo vivem. Mas enfim, é o jeito.

O sol já nasceu há um bom tempo, e aquela sensação de frio que me motivou a me envolver num sweater já não faz mais sentido. Mas carregar esse pedaço de pano não foi totalmente em vão, afinal, num mesmo dia, parece que todas as estações do ano se confundem.

Tenho a sensação de que hora menos hora alguma árvore irá cair. O vento aqui, meio que curte assoprar e não perde o fôlego. Mesmo com cabelo arrumado, parece que esse vento realmente deseja ver as pessoas nubladas.

- Olá, tudo bom? Digo educado para um conhecido.

- E ae?

Acho incrível como que as pessoas, que uma vez já foram “super amigas e parceiras” e que gastavam horas a fio trocando ideias, passam a ter um valor de “olá, tudo bom”. Essa é a sociedade na qual vivemos.

Após alguns passos, fico pensando como aquela aula de HL225 será boa. Acho muito massa o fato de que na universidade podemos ter essa mobilidade de dedicação total somente às disciplinas das quais gostamos. Posso me dedicar àquela que mais curto e àquela área com a qual me vejo trabalhando no futuro. Isso é meio que mágico. Óbvio, não preciso reprovar nas outras, mas posso deixá-la de lado por um momento. Isso pode!

Mais uma vez sussurro um bom dia para o cara que vende fruta na pracinha no meio do caminho. Ele me cumprimenta todo dia e pelo que vejo, cumprimenta a todos todo dia. Parece ser um “schedule”: cumprimentei a esse guri, feito; cumprimentei a essa guria, ok. Raramente compro frutas dele, por isso me sinto mal às vezes, afinal, o cara parece ser gente boa e está ralando para conseguir alguns trocados.

- Amanhã eu compro uma bandeija de morango. Penso alto.

Ao virar a esquina, também me lembro de que tinha de entregar um livro na biblioteca.

Já são 07:55!!

Fico na dúvida se vou para a aula e pago multa, ou se volto para casa e tomo meu livro.

Depois de uma parada com direito a uma breve reflexão, resolvo voltar.

Como já é quase horário de começar a aula, no percurso de retorno, vejo algumas pessoas correndo, desesperadas para não perder o horário, assim como também vejo algumas pessoas que parecem não se importar com o horário, ouvindo música num phone de ouvido, andando calmamente.

Abro o portão da casa e me sinto abraçado pelo ambiente “home sweet home”: temperatura agradável + pouca luz + cheiro de casa. Parece uma equação perfeita para ter como companhia minha melhor amiga: a procrastinação. Custo a achar o livro, afinal, meu quarto parece minha vida, uma bagunça. Em cima da mesa vejo meu phone de ouvido (aquele que ficou comigo até altas horas na noite anterior) e logo me lembro de que o último episódio visto terminou de uma maneira inacreditável.

Me sinto tentado a ficar. É uma coisa inacreditável essa tal de série! Fica naquela coisa: só vou assistir mais um episódio, e logo, já vi toda a temporada. Esse sou eu!

Finalmente, deitado na cama, avisto o livro no meu guarda-roupa. Olho para o relógio e vejo números que me atordoam: 08:10. Paro e penso:

- Bom, já perdi 10 minutos da aula. Estou na minha cama. O phone de ouvido está próximo.

Incrivelmente minha melhor amiga aparece ao meu lado…

Numa reação mais física que química, me deito, puxo meu notebook, puxo meu phone de ouvido e finalmente puxo a mão da minha amiga. Me esqueço da aula, me esqueço das pessoas que cumprimentei e me deixo envolver por mais um episódio fascinante: outro dia de procrastinação.