Ciúmes exagerados?
 
 
 
                    - Nem   sempre.   Nem sempre o ciúme é exagerado. Na verdade, quem estuda as sociedades de todos os tempos vai encontrar invariavelmente desigualdade de riqueza e poder, famosos e não famosos, preferência dos homens por mulheres jovens para o sexo, ciúme sexual, etc., etc.  Isso tudo está na nossa genética. Por isso é tão difícil mudanças no ser humano. O Woodsstock não foi pra frente exatamente pelo ciúme sexual.  E é fácil ver que mesmo  na nossa época, a época do “ficar”, o ciúme continua existindo.  
                  - mas então professor, eu estaria certo em ter ciúmes?
                  - a questão não é de estar certo ou errado, mas sim de que fomos moldados pela natureza a ter ciúmes. Por exemplo, você investe numa determinada mulher e quer ter filhos com ela. Ninguém poderia dizer que não seria natural você querer que seus filhos sejam seus e não de outro, não é verdade? Afinal, você está fazendo um investimento na sua vida.
                  - fico tranquilo com sua resposta, agora sei que não preciso compartilhar babacamente com todo mundo a minha mulher. Digo isso porque nestes tempos modernos com certeza vão propalar essa ideia e teremos que ficar quietos, sob pena de sermos taxados de preconceituosos.
                  -  natural, meu filho, mas devo dizer que o fato da natureza nos ter feito desse jeito, numa vida competitiva e não no sonho utópico de todos darem as mãos como na música do Lennon, não significa que podemos sair por aí matando os outros, fazendo sexo a torto e a direita, pois temos também nos nossos cérebros a cooperação, a generosidade, etc., etc. Como eu conheço você, posso afirmar que você me lembra um personagem do grande dramaturgo Molière, na peça “Escola de Mulheres”.
                  -  Eu?
                  - Sim, você!  Você é igualzinho ao Arnolfo da peça. O Arnolfo tinha tanto medo de ser traído que pegou uma moça para casar que havia vivido em um convento.
                  - deu certo?
                  - não. Ela o traiu com uma sabedoria incrível.
                  - conta aí alguma coisa do Arnolfo.
                  -  Veja o que o Arnolfo falava da cidade dele e dos homens e mulheres para um amigo:  -  Arnolfo:  “  Existe alguma outra cidade no mundo com maridos tão complacentes quanto os nossos? Não os encontramos de todas as variedades, acomodados cada um de um jeito? Este junta mil bens para que a esposa os divida, adivinha com quem? Com quem o corneia. Outro, com um pouco mais de sorte, mas não menos pateta, vê a mulher receber inúmeros presentes, todo dia, mas não se mortifica com ciúmes, porque ela o convence facilmente de que são prêmios da virtude. Um grita muito, mas fica no barulho; outro deixa o barco correr em águas mansas e, vendo chegar em casa o galanteador, ainda vai, gentil, pegar-lhe a luva e a capa. Uma esposa cheia de malícia, para evitar suspeitas, faz do próprio marido um confidente; e este dorme tranquilo, até com pena do coitado que tanto esforço faz sem ser correspondido. Outra mulher casada, para explicar um luxo que se estranha, diz que ganha no jogo as fortunas que gasta; e o bendito marido, sem perguntar qual o jogo, ainda junta um provérbio: “Feliz no jogo, infeliz nos amores”. Enfim, aí estão em toda parte os motivos de escárnio. Não devo rir, como espectador?”
      - Professor, acho que eu não chego a tanto com meus ciúmes.
      - espere, veja mais essa fala do Arnolfo dizendo que prefere casar com uma tola. Arnolfo: “  Caso com uma tola para não bancar um tolo. Eu sei o que custou a alguns casarem com mulheres cheias de talento; me caso com uma intelectual, interessada apenas em conversas de alcova, escrevendo maravilhas em prosa e verso, frequentada por marqueses e gente de espírito, e fico sendo apenas o marido de madame, discreto a um canto, como um santo sem crentes. Não, não, agradeço esses espíritos cheios de sutilizas. Mulher que escreve sabe mais do que é preciso! Pretendo que a minha seja bastante opaca para não saber nem mesmo o que é uma rima. E quando estiver jogando cartas e alguém perguntar, ao chegar a vez dela: “que botamos agora na panela?”, ela, ao invés de, como as outras, dar uma resposta brilhante e maliciosa, responda, muito simples: “um pouco de batata!” Em suma, desejo uma mulher de extrema ignorância. Que já seja demais ela saber rezar, me amar, cozer, bordar!”
      - não chego a tanto, professor, esse cara, embora engraçado, é um troglodita.
      - Ah! Você até que me lembrou outra passagem, pra encerrar esse papo, dos empregados do  Arnolfo. O mordomo Alain explicando para a Georgette o ciúme do patrão: “ Porque o ciúme...  Vê se me entende, Georgette ... O ciúme é uma coisa... uma coisa... que deixa a gente inquieto... e faz uma pessoa ficar, às vezes, dando voltas e voltas em volta de uma casa, ou modernamente em cima de um computador. Você está na mesa, a mesa arrumadinha, vai começar a comer seu mingau, quando passa por lá um esfomeado    e começa também a querer comer a comida que é sua. Você não fica furiosa e o põe pra fora?”  Georgette: Já começo a entender.  Alain:  Pois é isso que entendes. A mulher não é mais do que o mingau do homem. E quando um homem percebe que outros homens querem meter o dedo no mingau que é dele, é natural que lhe venha uma explosão de raiva.” Georgette: Mas então por que nem todo mundo faz o mesmo? Há homens que até parecem bem contentes quando as esposas estão com cavalheiros elegantes. Alain: É que nem todos têm igual apetite no amor; e muitos deixam sobras que outros aproveitam." 
        - Mas meu amigo, vejo que você está se divertindo e rindo muito.

      -  claro, professor, quando como meu mingau procuro não deixar  sobras...        



Nota: Escrevi esta crônica com a ideia de compartilhar com os amigos e amigas a genialidade do grande Molière.
Gdantas e Molière
Enviado por Gdantas em 06/10/2014
Reeditado em 06/10/2014
Código do texto: T4989670
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