BRUNO, BEN DEZ E O SACI

BRUNO, BEN DEZ E O SACI

Minha mãe jura que viu o Saci quando era criança. E quando alguém duvida, ela se arma imediatamente: “perguntem pra Eurinda, ela estava junto e viu também”. Tia Eurinda não gosta de tocar no assunto: um sorriso estranho paira sobre seu rosto, ri sem jeito e sai de perto. Deixa a nítida impressão que alguma coisa fantástica aconteceu naquele fim de tarde décadas atrás, quando as duas irmãs eram meninas que brincavam dentro de casa, uma com dez anos, a outra com oito.

Meu filho Bruno fez dez anos no dia doze deste mês. Fizemos festa, convidamos seus amiguinhos. Dei-lhe de presente um cachorro e ele ficou tão contente que o sorriso não escapava de seu rosto. O rosto do meu filho é muito parecido com o meu quando tinha a idade dele. Bruno tem medo de quase tudo; da chuva, do vento, alienígenas, vampiros e zumbis. Eu dou bronca, digo com voz severa que ele precisa mudar, já está se tornando um mocinho. Tento, dessa forma, afugentar os seus medos e me apego no herói dos desenhos que ele adora, o Ben Dez, um menino com vários poderes: Você não quer ser igual ao seu herói? Ele responde na habitual sinceridade: “Não tenho super-poderes”. Então o abraço e digo que a coragem é um poder que ele precisa ter pra enfrentar a vida quando crescer. Escondo que na sua idade também tive medos: lobisomem, assombração, até do Saci que minha mãe viu e que eu varava as noites com medo de ver também. E como era o Saci, dona Dalva? Ela responde sem pestanejar: “é como falam: negrinho de uma perna só”. Mas fuma cachimbo, usa gorro vermelho? “Isso eu não sei, foi tudo muito rápido, ele entrou pela fresta da casa, deu uns pulos na nossa frente e desapareceu. É melhor perguntar pra Eurinda, acho que ela viu melhor do que eu”. Bruno está crescendo. Basta um pequeno olhar para constatar que o meu guri é a minha cara. Não só o rosto, mas o corpo, o jeito de andar e até de dormir. E ele, sempre com um sorriso maroto, tem a cara de pau de me chamar de feio. Eu sou você amanhã, instigo. E ele responde de pronto: “Mas não sou careca”. Gostaria de ser o herói do meu filho, mas, por enquanto, ele segue preferindo o Ben Dez, embora atualmente ocupe todo seu tempo livre brincando no computador, num jogo que só ele entende e que nós outros aqui de casa reclamamos, o minecraft. Interessante que esse jogo, de certa forma, tem retirado dele pensamentos que causam medos: já fica sozinho, não reclama da porta aberta e fala online com os amigos numa disputa que parece empolgante e geralmente termina quando ele ergue os punhos para cima gritando: “Venci, pai, eliminei os inimigos”. E eu fico feliz feito criança, torcendo para que ele continue assim, um menino lindo, perfeito e um tanto corajoso, que aos poucos vai se tornando um homem, pronto para enfrentar os perigos da vida e os da imaginação, zumbis, vampiros e todos os outros, até mesmo o terrível Saci.