CONVERSANDO COM DEUS

Corta profundamente meu coração ver um idoso solitário sentado num banco de praça.

Era um daqueles entardecer gelado, com um chuvisco ordinário molha trouxa, que eu, de passos largos, atravessava a praça quando deparo com uma figura simpática, mas um tanto triste, de um velhinho de barba branca desalinhada, um tanto maltrapilho. Acerquei-me dele, pedindo licença, e sem cerimônia sentei.

O peso, dos agasalhos que eu tinha nas costas, aliviei-o colocando nas costas do miserável, e com ele tabulei uma conversa:

- Que olhar triste é esse meu bom velhinho? Você não tem casa ou família?

Ele olhou-me demoradamente, e num suspiro respondeu.

- Tenho sim, mas me expulsaram dela.

- Mas como isso aconteceu? Vamos já conversar com sua família!

Novamente ele me olhou nos meus olhos, e lamentou:

- Eu sou Deus, e cada um de vocês me expulsou-me de seus corações, de suas casas!

Eu achei isto bastante espirituoso do bom velhinho, e dessa forma resolvi alimentar a sua imaginação entrando no mesmo espírito de conversa.

- Eu acho que você era muito severo! Iniciei minha argumentação para justificar a expulsão dele dos corações e das casas dos viventes.

Sem tirar seus olhos fixos no chão perguntou-me.

- Como muito severo?

Resolvi fazer de conta que isto tudo era um teatro, e assim, eu criatura dando conselhos ao seu criador no palco da vida.

Acomodei melhor meu corpo virando-me para o lado dele. Com voz firme desabafei:

- Quando criança você para mim era um monstro, me assustava muito; Castigava severamente; mandava as crianças para o inferno, e dizia que era nosso pai! Você não era meu pai, era meu algoz! Eu confesso que tinha medo daquele olho grande desenhado nas Igrejas onde você dizia “Eu vejo tudo”. E via mesmo! Eu não podia fazer qualquer peraltice que minha mãe ficava logo sabendo, e como castigo recebia umas chineladas na bunda. Confesse, você fuxicava para ela, eu sei!

Olhei para ele, e percebi que de seus olhos escorriam lágrimas, mas cruelmente completei:

- Eu tinha raiva de você! Eu queria que você morresse!

Ele então me interrompeu dizendo:

- E sou o criador de tudo, e de todos, e amo cada célula, cada molécula que existe nesta vida. A imagem de pai severo não fui eu que criei. Mas confesso que mesmo assim eu gostava dessa analogia de pai severo, de pai que castigava, porque desta forma era lembrado e venerado pelos mais velhos. Hoje o seu deus é outro monstro, um monstro construído na imaginação perversa da humanidade que vive do imaginário, e não do real. Eu fui trocado por lobos, por bichos papão, pelo homem do saco, pela feiticeira.

E continuou choroso:

- Já nem estou mais nas igrejas com meu cruel olhar! Já não sou mais lembrado nas orações da noite ao deitar, ou na hora das refeições!

E completou amargamente:

- Sou apenas uma terrível ficção! Sou um zé ninguém!

Ele abaixou a cabeça, e eu continuei na minha representação teatral.

- Não! Você não é uma ficção, você é uma realidade visível! Você é real na maravilha que a vida é! Você é real na beleza tanto do amanhecer, como do entardecer! Você é real no mistério da vida! Você é o mistério que procuramos entender!

E completei.

- No próprio ódio, na própria desavença você é real no amor que deve existir. Você é o todo nas parcelas que cada um de nós somos.

Ele olhou-me admirado, levantou-se vagarosamente, colocou a mão em minha cabeça como se estivesse me abençoando, e em passos lerdos foi se afastando, e como uma figura brilhante na tênue neblina desapareceu.

E a peça terminou! Fiquei então me perguntando:

- Será que falei com Deus?

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 05/10/2014
Código do texto: T4988424
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