UM PASSAGEIRO MUITO IMPORTANTE
Estava sentado na poltrona de um ônibus, quando entrou
um franzino senhor de idade. Aquele senhor me chamou a
atenção. Não sei muito bem por quê. Ele estava vestido
com uma surrada calça social e um paletó de cor clara,
chapéu na cabeça. Tinha cabelos brancos e a pele
escurecida e marcada pelo tempo.
O tempo correu em minha mente e retornei a minha
infância. Lembrei-me dos meus parentes de mais idade,
bem como dos velhos amigos da família, de suas histórias
contadas com tremenda tenacidade e veemência, pelo
menos a meu ver. A cada história contada, viajava e
admirava respeitosamente o locutor, embora houvesse
simplicidade em suas palavras jamais perdiam a coerência,
jamais eram perdedores, sempre eles os mocinhos, mesmo
que anti-heróis.
O senhorzinho passou a roleta com um olhar triste e
cansado. As pessoas não o perceberam. Entendi, claro, que
elas não o conheciam e não sabiam de suas histórias, de
sua história, de sua importância. Ao contrário pessoas
jovens entravam no ônibus e eram notadas,
cumprimentadas, talvez até invejadas.
O triste senhor seguiu lentamente até se assentar.
Continuei a relembrar do passado. Senti uma vontade de
me levantar e ir até aquele senhor, abraçá-lo. Como se
fosse uma presença viva do meu passado. Neste momento
reforcei a ideia de que muito da afetividade passada aos
que amamos é transmitida pelas histórias que contamos,
pelo tempo vivido com os nossos, pela partilha em forma
de doação e interesse pelo semelhante. Os meus
antepassados tinham - e ainda têm problemas -,
frustrações, limitações. Mas isso não os abalava, e em suas
narrativas encontravam os seus refúgios, talvez para dar
força?, talvez para ensinar a olhar sempre pra frente
reescrevendo suas vivências, de forma positiva e
saudável?, talvez fosse mais do que isso, talvez nem
percebessem o quanto faziam felizes e importantes as
crianças que os escutavam.
Atualmente, lendo sobre frustrações da vida moderna e
suas consequências, percebi que isto que eles faziam
encontra um embasamento na psicologia bem grande
como uma das formas de manter a mente sadia, tanto para
quem conta as suas histórias como para aqueles que as
ouvem. Seus embasamentos vinham pela vivência
empírica do amor e da doação.
Aquela figura daquele senhor me fez perceber que às
vezes nos esquecemos dos mais velhos e de suas
experiências. Vaziamente trocamos suas vivências pelas
infinitas cabeçadas pela vida, que às vezes deixam-nos
marcas que poderiam ser evitadas. Tão vazios andamos.
Quando vemos pessoas de mais idade não sentimos mais
necessidade de abraçá-las, não ouvimos mais suas
preciosas histórias, e ao invés de um ato de carinho
recebemos e enviamos um frio e quase sempre desalmado
e-mail com frases feitas e repetidas como se não
houvéssemos mais capacidade de dizermos palavras
simples mas verdadeiras carregadas de emoção, e algumas
vezes sem mesmo proferirmos uma palavra executarmos
atos que falariam por si só, como um simples e singelo
olhar com respeito e admiração.