No meio do caminho tinha uma pedra
Uma pedra branca em forma de couve-flor desce lentamente pelo meu ureter esquerdo, em direção à bexiga. Agora ela está parada por causa de um estreitamento no canal, que eu não sei se vai ceder. Em meu delírio de dor, vejo-a estacionada, impedindo a passagem da urina, que começa a chegar, vinda do rim. Para o outro lado não passa nada. O líquido se acumula. A dor aumenta. Uma faca enfiada no estômago levada com força até a virilha, rasgando tudo, não deve doer tanto.
Estou delirando. Vejo meu corpo na cama em posição fetal. Estou sobrevoando meu próprio corpo, como um espírito desgarrado. É muito estranho. Ele se contorce todo em agonia, aflito, o rosto crispado, as mãos fechadas e tremendo de tanta dor. Dor atroz, lancinante.
Não tem ninguém em casa. Não consigo voar até a rua para chamar um vizinho. Tento gritar, mas minha voz não sai. Há uma energia que me liga ao corpo, por isso não consigo sair do lugar e sinto dor.
Vejo a pedra. Não sei como isso é possível, mas vejo-a claramente, é só forçar a vista no lugar certo do corpo que ela aparece, branca, cheia de reentrâncias e buracos, como um coral. Parece que está viva, mas não sai do lugar, a urina não passa, e o rim já sente a pressão, incha, pulsa. Meu Deus, meu Deus!
Acordo do meu delírio. Estou num hospital, quarto particular. Olho para o lado e vejo minha mulher sentada numa poltrona, cochilando. Não tenho plano de saúde nem dinheiro para quarto particular. O que estou fazendo ali? E a pedra? “Você a expeliu”, uma voz me diz ao pé do ouvido, mas não vejo ninguém. Não há ninguém no quarto além de mim e da minha mulher. Levanto o pescoço e vejo uma enorme mancha de sangue no lençol, bem em cima do meu pinto. “Você a expeliu, você a expeliu”, repete a voz, e a mancha aumenta de tamanho. Quero levantar o lençol para ver o que aconteceu com o meu pinto, mas não consigo me mexer. Tento gritar, mas não tenho voz.
Acordo de novo. Agora é tudo real. Estou em casa, no meu quarto, com a janela aberta. Minha mulher dorme ao meu lado, roncando suavemente. É madrugada. Pernilongos me atacam. O calor é insuportável. Vou ao banheiro lavar o rosto, mas não tem água. A cidade fede. No entanto, não sinto dor. Não há pedras dentro de mim. Deve ter sido ar preso, junto com o pesadelo...
Que alívio!